A Eucaristia
O
segundo sacramento principal depois do Batismo é a Eucaristia. Como reunião em
nome de Jesus a ser celebrada sempre nova e sinal realizador de sua vinda
sempre nova, ela constituiu o centro da vida sacramental da vida da Igreja e,
simultaneamente, a representação simbólica mais clara do mistério cristão.
Em
nenhuma manifestação da vida eclesiástica as mudanças ocorridas na Igreja nos
últimos decênios foram mais perceptíveis que a Eucaristia. As mudanças na forma
litúrgica (a mesa da Ceia passou a substituir o altar, ao invés de estarem com
rosto voltado para o altar, os frequentadores da missa passaram a reunir-se em
torno da mesa, a estranha linguagem litúrgica foi substituída pela língua do
povo, em lugar da adoração da hóstia consagrada, a partilha do pão, etc.) e a
nova nomenclatura (em vez de sacrifício da missa, Eucaristia; em vez de
pré-missa, liturgia da Palavra; em lugar de fórmula da transubstanciação, o
relato da instituição, em lugar do celebrante, o presidente da celebração,
etc.)
Vamos
buscar um pouco nessa reflexão os fundamentos bíblicos da Eucaristia. Comer e
beber, atividades naturais do ser humano, conservam e fortalecem a vida e são,
ao mesmo tempo , o contato primário com o mundo. Na alimentação necessária para
a vida do ser humano se conscientiza de que a fonte da vida não reside nele
mesmo e que receber é condição fundamental da existência. Além da mera função alimentícia
de comer e beber, a maioria dos povos desenvolveu uma cultura em torno do cear:
por meio de comer e beber em conjunto se representa e estabelece a comunhão. A estrutura
básica do receber sugere mais outro conteúdo do cear: agradecimento ao criador
como origem da vida e da comunhão da mesa. Dessa maneira a ceia também se torna
sinal da comunhão com Deus.
Também
no Antigo Testamento a ceia é sinal realizador de comunhão. Como por exemplo:
tratados de paz e alianças são selados com comer e beber conjunto (Gn 14,18;
26,30).
Na
aliança feita no Sinai (à qual aludem os relatos da instituição eucarística: Mc
14,24; Mt 26,28) o sacrifício está em primeiro plano: Moisés toma a metade do
sangue dos bezerros sacrificados e asperge sobre o altar dos sacrifícios;
depois lê o documento da aliança, e o povo concorda com os termos do documento;
em seguida Moisés asperge a outra metade do sangue sobre o povo, dizendo: “este
é o sangue da aliança que o Senhor [...] fez convosco” (Ex 24,8). Desse modo,
nesse efetivação da aliança o sacrifício se associa com a ceia. Ambas as coisas
unem com Deus: o sangue do sacrifício aspergido sobre o altar e o povo e a ceia
dos anciãos, que por essa ocasião puderam ver a Deus.
Nas
narrativas bíblicas a respeito da ceia sempre estão conjugados esse elementos:
ceia, sacrifício e memória. “Em toda época, cada um tem o dever de
considerar-se como se ele mesmo tivesse saído do Egito. [...] Por isso temos o
dever de agradecer, enaltecer e louvar [...] aquele que realizou em nós (!) e
em nossos pais todas essas maravilhas. Ele nos (!) tirou da escravidão e nos
conduziu para a liberdade, do sofrimento para a alegria, do luto para a festa
[...]” (Pes 10.5). O memorial do pesah,
porem, não significa apenas atualização do passado, mas também uma esperança
fundamentada nas experiências libertadores da história.
Dando
um salto na nossa pequena reflexão nos encontramos com a ceia na pregação de
Jesus. Com efeito, a comunhão da mesa é um ato simbólico de Jesus mais vezes
referido nos evangelhos. Ele é entendido por amigos e inimigos. Para uns é um
ato convidativo, para outros é motivo de escândalo e inimizade por causa dos
comensais com os quais Jesus se envolve. “Ele se envolve com os pecadores e até
come com eles” (Lc 15,2). Todas essas recriminações são pano de fundo para uma
declaração pragmática “Eu não vim para chamar os justos, mas pecadores” (Mc
2,17). Jesus ao cear com os pecadores busca solidarização e reconciliação, além
do mais, disposição para assumir riscos.
Na
última ceia, com todo o ato da ceia em si, Jesus se entrega nas mãos dos discípulos,
e isso no sentido duplo do doar-se e entregar-se. O pão que Jesus distribui no
início da ceia, a exemplo de todo chefe de família judaica, e o cálice que
ofereceu são, por assim dizer, sinal no sinal, símbolos reais concentrados da
autodoação e autoentrega: “Tomai, isto é o meu corpo. [...] Isto é meu sangue”
(Mc 14,22). “Corpo” e “Sangue” não significam elementos, e, sim todo o ser
humano vivente, sendo que “corpo” lembra especialmente o eu concreto, e “sangue”,
sobretudo a vida, o sangue derramada, porém a entrega da vida.
Pe. Felipe