sábado, 28 de março de 2015

DOMINGO DE RAMOS DA PAIXÃO DO SENHOR - REFLEXÃO


DOMINGO DE RAMOS DA PAIXÃO DO SENHOR
1ª Leitura - Is 50,4-7
O Senhor Deus deu-me língua adestrada,
para que eu saiba dizer
palavras de conforto à pessoa abatida;
ele me desperta cada manhã e me excita o ouvido,
para prestar atenção como um discípulo.
O Senhor abriu-me os ouvidos;
não lhe resisti nem voltei atrás.
Ofereci as costas para me baterem e
as faces para me arrancarem a barba;
não desviei o rosto de bofetões e cusparadas.
Mas o Senhor Deus é meu Auxiliador,
por isso não me deixei abater o ânimo,
conservei o rosto impassível como pedra,
porque sei que não sairei humilhado.
Palavra do Senhor.
            O belo cântico do servo sofredor que nos apresenta o Profeta Isaias. Um texto que vem carregado de significados: Primeiramente aparece o elemento do servo que se deixa guiar por Deus, “O Senhor Deus deu-me língua adestrada, para que eu saiba dizer
palavras de conforto à pessoa abatida”. Essa condição adquirida pelo Servo só se torna possível graças a sua sintonia, a sua configuração junto a Deus, conforme podemos constatar nessa profecia, “ele me desperta cada manhã e me excita o ouvido, para prestar atenção como um discípulo”. A missão ganha êxito por conta da bonita relação filial do servo com Deus, do discípulo com o Pai. É um cântico que demostra a comunhão profunda com Deus. Esse mesmo Deus vai modelando o seu profeta: ouvido e língua e o profeta, por sua vez, vive na escuta da Palavra, porque não fala as coisas suas, mas aquilo que vem como inspiração da meditação da Palavra de Deus.
A missão tem claramente a ver com o anúncio da Palavra. O profeta é o homem da Palavra, através de quem Deus fala. O profeta tem de estar, continuamente, numa atitude de escuta de Deus, para que possa apresentar – com fidelidade – essa Palavra de Deus aos homens. Em segundo lugar, a missão profética concretiza-se no sofrimento e na dor: o anúncio das propostas de Deus provoca resistências e perseguição.
Em terceiro lugar, o Senhor não abandona aos que chama. A certeza de que não está só, torna o profeta mais forte do que a dor, o sofrimento, a perseguição.
2ª Leitura - Fl 2,6-11
Jesus Cristo, existindo em condição divina,
não fez do ser igual a Deus uma usurpação,
mas ele esvaziou-se a si mesmo,
assumindo a condição de escravo
e tornando-se igual aos homens.
Encontrado com aspecto humano,
humilhou-se a si mesmo,
fazendo-se obediente até a morte, e morte de cruz.
Por isso, Deus o exaltou acima de tudo
e lhe deu o Nome que está acima de todo nome.
Assim, ao nome de Jesus,
todo joelho se dobre no céu,
na terra e abaixo da terra,
e toda língua proclame : 'Jesus Cristo é o Senhor',
para a glória de Deus Pai.
Palavra do Senhor.

            Filipos era uma cidade de veteranos romanos do exército; gozava dos mesmos privilégios das cidades da Itália. A comunidade cristã era atenta às necessidades da Igreja. Não era uma comunidade perfeita… a humildade, a simplicidade, não eram valores que compunham a comunidade. Paulo convida os filipenses a encarnar os valores de Cristo.
Cristo contrasta Adão. Adão reivindicou ser como Deus e lhe desobedeceu e Cristo responde com a humildade e a obediência ao Pai. A atitude de Adão trouxe fracasso e morte; a atitude de Jesus trouxe exaltação e vida.  
Cristo: aceitou fazer-Se homem, assumindo com humildade a condição humana, para servir, para dar a vida, para revelar o amor do Pai. Não deixou de ser Deus; mas aceitou descer até aos homens, fazer-Se servidor dos homens, para garantir vida nova para os homens. Esse “abaixamento” – a morte de cruz – para nos ensinar a lição do serviço, do amor radical, da entrega total da vida. A obediência aos projetos do Pai resultaram em ressurreição e glória. Paulo faz um alerta: o cristão deve ter como exemplo esse Cristo, servo sofredor e humilde, que fez da sua vida um dom a todos.
+ Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos 14,1-15,47 (Paixão do Senhor).
REFLEXÃO
Marcos apresenta Jesus como o Messias, enviado por Deus aos homens para lhes propor o Reino; Jesus o Filho de Deus, para cumprir a missão que o Pai tem de passar pela morte, mas Deus o ressuscitará. O relato não é uma reportagem jornalística da condenação à morte de um inocente; mas é uma catequese destinada a apresentar Jesus como o Filho de Deus que aceita o projeto do Pai, mesmo quando esse projeto passa pela cruz. Marcos pretende que os crentes concluam, como o centurião romano: “na verdade, este homem era Filho de Deus”.

A morte de Jesus tem de ser entendida no contexto daquilo que foi a sua vida. Desde cedo, Jesus apercebeu-Se de que o Pai O chamava a uma missão: anunciar esse mundo novo, de justiça, de paz e de amor para todos os homens. Para concretizar este projeto, Jesus ensinou que Deus era amor e que não excluía ninguém, nem mesmo os pecadores; ensinou que os leprosos, os paralíticos, os cegos não deviam ser marginalizados, pois não eram amaldiçoados por Deus; ensinou que eram os pobres e os excluídos os preferidos de Deus.
O projeto libertador de Jesus entrou em choque com o egoísmo, a opressão que dominava o mundo. As autoridades políticas e religiosas sentiram-se incomodadas com a denúncia de Jesus: não estavam dispostas a renunciar a esses mecanismos que lhes asseguravam poder, influência, domínio, privilégios. Por isso, prenderam Jesus, julgaram-no, condenaram-no e pregaram-no numa cruz. A morte de Jesus é a consequência lógica do anúncio do “Reino”: resultou das resistências que a proposta do “Reino” provocou entre os que dominavam o mundo.
A morte de Jesus é o culminar da sua vida; é a afirmação última, porém mais radical e mais verdadeira daquilo que Jesus pregou com palavras e com gestos: o amor, o dom total, o serviço. Na cruz, vemos aparecer o Homem Novo, o protótipo do homem que ama radicalmente e que faz da sua vida um dom para todos. Porque ama, este Homem Novo vai assumir como missão a luta contra todas as causas objetivas que geram medo, injustiça, sofrimento, exploração e morte.
1. Ao longo de todo o processo, Jesus manifesta uma grande serenidade, uma grande dignidade e uma total conformação com aquilo que se está a passar. Não se trata de passividade ou de inconsciência, mas de aceitação serena de um caminho que Ele sabe que passa pela cruz. Marcos sugere, desta forma, que Jesus está perfeitamente conformado com o projeto do Pai e que a sua vontade é cumprir fiel e integralmente o plano de Deus, sem objecções ou resistências de qualquer espécie.
Ä Mateus e Lucas põem Jesus a interpelar diretamente Judas, quando este o entrega no monte das Oliveiras (cf. Mt 26,50; Lc 22,48); mas na narração de Marcos, Jesus mantém-se silencioso e cheio de dignidade diante da traição do discípulo (cf. Mc 14,45-46), sem observações ou recriminações.
2. Uma das teses fundamentais do Evangelho de Marcos é que Jesus é o Filho de Deus (cf. Mc 1,1). Esta ideia também está bem presente, bem sublinhada, bem desenvolvida, no relato da Paixão:
No jardim das Oliveiras, pouco antes de ser preso, Jesus dirige-Se a Deus (cf. Mc 14,36) e chama-Lhe “Abba” (“paizinho”, “papá”). Esta apalavra não era usada nas orações hebraicas como invocação de Deus; mas era usada na intimidade familiar e expressava a grande proximidade entre um filho e o seu pai. Para a psicologia judaica, teria sido um sinal de irreverência usar uma palavra tão familiar para se dirigir a Deus. O facto de Jesus usar esta palavra revela a comunhão que havia entre Jesus e o Pai e revela uma relação marcada pela simplicidade, pela intimidade, pela total confiança.
            Apesar do silêncio digno de Jesus durante o interrogatório no palácio do sumo-sacerdote, há um momento em que Jesus não hesita em esclarecer as coisas e em deixar clara a sua divindade. Quando o sumo-sacerdote Lhe perguntou diretamente se Ele era “o Messias, o Filho de Deus bendito” (Mc 14,61b), Jesus respondeu, sem subterfúgios: “Eu sou. E vereis o Filho do Homem sentado à direita do Todo-poderoso e vir sobre as nuvens do céu” (Mc 14,62). A expressão “eu sou” (“egô eimi”) leva-nos ao nome de Deus no Antigo Testamento (“eu sou aquele que sou” - Ex 3,14)… É, na perspectiva do nosso evangelista, a afirmação inequívoca da dignidade divina de Jesus. A referência ao “sentar-se à direita do Todo-poderoso” e ao “vir sobre as nuvens” sublinha, também, a dignidade divina de Jesus, que um dia aparecerá no lugar de Deus, como juiz soberano da humanidade inteira. O sumo-sacerdote percebe perfeitamente o alcance da afirmação de Jesus (Ele está a arrogar-Se a condição de Filho de Deus e a prerrogativa divina por excelência – a de juiz universal); por isso, manifesta a sua indignação rasgando as vestes e condenando Jesus como blasfemo.
Marcos põe um centurião romano a dizer, junto da cruz de Jesus: “na verdade, este homem era Filho de Deus” (Mc 15,39). Mais do que uma afirmação histórica, esta frase deve ser vista como uma “profissão de fé” que Marcos convida todos os crentes a fazer… Depois de tudo o que foi testemunhado ao longo do Evangelho, em geral, e no relato da paixão, em particular, a conclusão é óbvia: Jesus é mesmo o Filho de Deus que veio ao encontro dos homens para lhes apresentar uma proposta de salvação.

            3. Apesar de Filho de Deus, o Jesus de Marcos é também homem e partilha da debilidade e da fragilidade da natureza humana: No jardim das Oliveiras, pouco antes de ser preso, o Jesus de Marcos sentiu “pavor” e “angústia” (cf. Mc 14,33), como acontece com qualquer homem diante da morte violenta.
            No momento da morte, Jesus reza: “meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste” (Mc 15,34). A “oração” de Jesus é a “oração” de um homem que, como qualquer outro ser humano, experimenta a solidão, o abandono, o sentimento de impotência, a sensação de falhanço… e do fundo do seu drama, não compreende a ausência e a indiferença de Deus. Não há dúvida: o Jesus apresentado por Marcos é, também, o homem/Jesus que Se solidariza com os homens, que os acompanha nos seus sofrimentos, que experimenta os seus dramas, fragilidades e debilidades.

            4. Em todos os relatos da paixão, Jesus aparece a enfrentar sozinho (abandonado pelas multidões e pelos próprios discípulos) o seu destino de morte; mas Marcos sublinha especialmente a solidão de Jesus, nesses momentos dramáticos.
Abandonado pelos discípulos, escarnecido pela multidão, condenado pelos líderes, torturado pelos soldados, Jesus percorre na solidão, no abandono, na indiferença de todos, o seu caminho de morte. O grito final de Jesus na cruz (“meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste” – Mc 15,34) pode ser o início do Salmo 22 (cf. Sal 22,2); mas é, também, expressão dramática dessa solidão que Jesus sente à sua volta.

            

segunda-feira, 23 de março de 2015

MOMENTO COM A PALAVRA 23.03.15


+ Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo João 8,1-11
Naquele tempo:
1Jesus foi para o monte das Oliveiras.
2De madrugada, voltou de novo ao Templo.
Todo o povo se reuniu em volta dele.
Sentando-se, começou a ensiná-los.
3Entretanto, os mestres da Lei e os fariseus
trouxeram uma mulher surpreendida em adultério.
Colocando-a no meio deles,
4disseram a Jesus: 'Mestre,
esta mulher foi surpreendida em flagrante adultério.
5Moisés na Lei mandou apedrejar tais mulheres.
Que dizes tu?'
6Perguntavam isso para experimentar Jesus
e para terem motivo de o acusar.
Mas Jesus, inclinando-se,
começou a escrever com o dedo no chão.
7Como persistissem em interrogá-lo,
Jesus ergueu-se e disse:
'Quem dentre vós não tiver pecado,
seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra.'
8E tornando a inclinar-se,
continuou a escrever no chão.
9E eles, ouvindo o que Jesus falou,
foram saindo um a um,
a começar pelos mais velhos;
e Jesus ficou sozinho,
com a mulher que estava lá, no meio do povo.
10Então Jesus se levantou e disse:
'Mulher, onde estão eles?
Ninguém te condenou ?'
11Ela respondeu: 'Ninguém, Senhor.'
Então Jesus lhe disse:'Eu também não te condeno.
Podes ir, e de agora em diante não peques mais.'
Palavra da Salvação.

Reflexão - Jo 8, 1-11


Quando falamos em pecado, sempre nos referimos aos pecados que os outros cometeram, jamais aos nossos, porque os outros precisam ser condenados pelos seus erros e nós somos diferentes, precisamos ser compreendidos. Quando fazemos isso, geralmente escondemos dos outros a face amorosa e misericordiosa de Deus, porque esta face e só para nós, e lhes mostramos um Deus que pune e é vingativo, que quer o castigo de todos, e esta face não é para nós. Com isso, nos tornamos um obstáculo para a conversão dos outros e, em consequência disso, Deus não agirá com misericórdia e amor conosco.

domingo, 22 de março de 2015

PAPA FRANCISCO FALA DO "TERRORISMO DA FOFOCA".

Cidade do Vaticano (RV) – Bem ao estilo Bergoglio, ao afirmar  que discursos prontos aborrecem, Francisco improvisou durante o encontro com o clero na Catedral de Nápoles, na tarde de sábado (21/03).
Ao fazer novamente bom uso de uma das suas principais qualidades, a espontaneidade, Francisco disse que o caminho da vida consagrada é “seguir Cristo com vontade de trabalhar pelo Senhor”. Ele lembrou da importância de amar a mãe para chegar-se ao filho: “Se não quer a mãe, a mãe não lhe dará o filho”, advertiu o Papa.
logo em seguida o papa falou do “Terrorismo da fofoca”. O Papa permitiu-se a cunhar uma nova expressão: o terrorismo da fofoca. “A fofoca destrói. As diferenças existem, sim, e isso é cristão,  mas devem ser resolvidas face a face”, afirmou Francisco diante da catedral lotada.
Ao concluir, o Papa citou três conceitos que devem permear a vida dos religiosos: a adoração, o amor à Igreja e o zelo apostólico.
“Perdemos o senso da adoração a Deus. Não é possível amar Jesus sem amar sua esposa. O amor à Igreja te leva a conhecer a ti mesmo.  Este é o sentido da missão”, sintetizou, respectivamente o Papa, que finalizou: “Estas são as coisas que me vieram de maneira espontânea”.

sábado, 21 de março de 2015

O ABRAÇO DA MISERICÓRDIA DE DEUS


O abraço da misericórdia de Deus
Parece que em alguns momentos de nossa vida, e neste tempo da quaresma, tenho vivenciado e celebrado este mistério, nos defrontamos com uma crise pela nossa pequenez. Falo do mistério da nossa vida imbuído dentro do mistério maior, isto é, o mistério da misericórdia de Deus. Em alguns momentos da vida pensamos: o meu pecado é por demais imenso, o meu afastamento de Deus se assemelha ao afastamento do filho mais novo na parábola do pai misericordioso (Lc 15), a minha incredulidade é como a de Tomé; não tenho coragem de voltar, acho que Deus não me acolhe mais. São inquietações que estão no fundo do nosso ser.
Foi esta a experiência que ouvia nesse belo período quaresmal, e em muitas vezes no meu ministério pastoral me deparei com esta indagação: “padre tenho muitos pecados”. Diferentemente daquilo que nos propõe esse mundo capitalista e tecnicista, diante dessa lógica numérica da produção, para Deus, somos mais que números, somos importante, mesmo diante de nossos pecados, somos aquilo que lhe é mais caro.
Poderemos fazer um percurso por meio de algumas passagens bíblicas que nos apoiariam nessa aventura de perceber a grandeza da misericórdia e da paciência de Deus, que são aspectos da magnânima pedagogia divina.  
A misericórdia de Deus: como é bela esta realidade da fé para a nossa vida! Como é grande e profundo o amor de Deus por nós! É um amor que não falha, que sempre segura a nossa mão, nos sustenta, levanta e guia.
No evangelho de João 20,19-28, o apóstolo Tomé experimenta precisamente a misericórdia de Deus, que tem um rosto concreto: o de Jesus de, de Jesus ressuscitado. Tomé não confia nos demais apóstolos, quando lhes dizem: “vimos o Senhor”; para ele não é suficiente a promessa de Jesus que havia anunciado: ao terceiro dia ressuscitarei. As nuvens de insegurança que nos propõe as dificuldades da vida nos impedem de reconhecer e celebrar a vida do ressuscitado na nossa vida. Tomé quer ver, quer colocar a mão no sinal das mãos e no peito. E qual é a reação de Jesus? A paciência: Jesus não abandona Tomé relutante na sua incredulidade; dá-lhe uma semana de tempo, não fecha a porta, espera. E Tomé acaba por reconhecer a sua própria pobreza, e sua pouca fé. “Meu Senhor e meu Deus”. Com essa invocação simples, mais cheia de fé, responde a paciência de Jesus. Deixa-se envolver pela misericórdia divina, vê-a a sua frente, nas feridas das mãos e dos pés, no peito aberto, e readquire a confiança: é um homem novo, já não incrédulo mas crente.
Recordemos também o caso de Pedro: por três vezes renegara Jesus, precisamente quando Lhe devia estar unido; e quando, chega ao fundo, encontra o olhar de Jesus que, com paciência e sem palavras, lhe diz: “Pedro, não tenhas medo de tua fraqueza, confia em mim”. E Pedro compreende, sente o olhar amoroso de Jesus e chora... Como é belo esse olhar de Jesus! Quanta ternura! Não percamos jamais a confiança na paciente misericórdia de Deus!
Pensemos nos dois discípulos de Emaus: o rosto triste, passos vazios, sem esperança. Mais Jesus não os abandona: percorre juntamente com eles a estrada. E não só, com paciência, explica as Escrituras a Si se referiam e para na casa deles, partilhando a refeição. Este é o estilo de Deus: não é impaciente como nós, que muitas vezes queremos tudo e imediatamente, mesmo quando se trata de pessoas. Deus é paciente conosco, porque nos ama; e quem ama compreende, espera, dá confiança, não abandona, não derruba as pontes, sabe perdoar. Recordemos na nossa vida de cristão: Deus sempre espera por nós, mesmo quando nos afastamos! Ele nunca está longe e, se voltarmos para Ele, está pronto para nos abraçar.
Causa-me sempre grande impressão a releitura da parábola do pai misericordioso; impressiona-me pela grande esperança que sempre me dá. E não posso deixar de me lembrar de um irmão no sacerdócio que se encanta e alimenta com esse preciosíssimo texto de São Lucas. Pensai naquele filho mais novo, que estava na casa do pai, era amado; e, todavia, deseja a sua parte na herança; abandona a casa, gasta tudo, chega ao nível mais baixo, mais distante do pai; e, quando tocou o fundo, sente saudades do calor da casa paterna e retorna. E o pai? Teria esquecido o filho? Não, nunca! Estava lá, avista-o ao longe, tinha esperado por ele todos os dias, todos os momentos: como filho sempre esteve no seu coração, apresar de tê-lo deixado e malbaratado todo o patrimônio, isto é, a sua liberdade; com a paciência e amor; com esperança e misericórdia, o pai não tinha deixado nenhum instante sequer de pensar nele, e logo que vê, ainda longe, corre ao seu encontro e o abraça com ternura – a ternura de Deus -, sem uma palavra de censura: voltou! Isso é a alegria do pai; naquele abraço ao filho, está toda a alegria: voltou! Deus sempre espera por nós, não se cansa. Faço questão de reafirmar aquilo já colocado no principio dessa reflexão, a saber, para Deus, somos mais que números, somos importante, mesmo diante de nossos pecados, somos aquilo que lhe é mais caro.
 Jesus mostra-nos essa paciência misericordiosa de Deus, para sempre reencontramos confiança, esperança! Um grande teólogo alemão, Romano Guardino, dizia que Deus responde à nossa fraqueza com a sua paciência e isso é motivo da nossa confiança, da nossa esperança. É uma espécie de diálogo entre a nossa fraqueza e a paciência de Deus.
Gostaria de sublinhar outro elemento: a paciência de Deus deve encontrar em nós a coragem de regressar a Ele, qualquer que seja o erro, qualquer que seja o pecado em nossa vida. Jesus convida Tomé a colocar as mãos em suas chagas das mãos e dos pés e na ferida do peito. Nós também podemos entrar nas chagas de Jesus, podemos tocá-lo realmente, isso acontece todas as vezes que recebemos, com fé, os sacramentos. São Bernardo diz numa bela homilia: “por essas feridas (de Jesus), posso saborear o mel dos rochedos e o azeite da rocha duríssima, isto é, posso saborear e ver como o Senhor é bom”. É justamente nas chagas de Jesus que vivemos seguros, nelas se manifestam o amor imenso de seu coração.



5º DOMINGO DA QUARESMA


+ Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo João 12,20-33
Naquele tempo:
20Havia alguns gregos
entre os que tinham subido a Jerusalém,
para adorar durante a festa.
21Aproximaram-se de Filipe,
que era de Betsaida da Galiléia, e disseram:
'Senhor, gostaríamos de ver Jesus.'
22Filipe combinou com André,
e os dois foram falar com Jesus.
23Jesus respondeu-lhes:
'Chegou a hora
em que o Filho do Homem vai ser glorificado.
24Em verdade, em verdade vos digo:
Se o grão de trigo que cai na terra não morre,
ele continua só um grão de trigo;
mas se morre, então produz muito fruto.
25Quem se apega à sua vida, perde-a;
mas quem faz pouca conta de sua vida neste mundo
conservá-la-á para a vida eterna.
26Se alguém me quer servir, siga-me,
e onde eu estou estará também o meu servo.
Se alguém me serve, meu Pai o honrará.
27Agora sinto-me angustiado. E que direi?
`Pai, livra-me desta hora!'?
Mas foi precisamente para esta hora que eu vim.
28Pai, glorifica o teu nome!'
Então, veio uma voz do céu:
'Eu o glorifiquei e o glorificarei de novo!'
29A multidão que lá estava e ouviu,
dizia que tinha sido um trovão.
Outros afirmavam:
'Foi um anjo que falou com ele.'
30Jesus respondeu e disse:
'Esta voz que ouvistes não foi por causa de mim,
mas por causa de vós.
É agora o julgamento deste mundo.
Agora o chefe deste mundo vai ser expulso,
32e eu, quando for elevado da terra,
atrairei todos a mim.'
33Jesus falava assim
para indicar de que morte iria morrer.
Palavra da Salvação.

As multidões “que tinham chegado para a Festa” haviam aclamado Jesus como o rei/messias, “o que vem em nome do Senhor”. Acolhendo Jesus com ramos, é um gesto do folclore judaico que Celebravam a festa das tendas, tempo em que os israelitas viveram em tendas, ao longo da caminhada pelo deserto. O autor do Quarto Evangelho sugere, assim, que está chegando o processo de libertação definitiva do Povo de Deus... Os “gregos” dirigem-se a Filipe, Filipe vai falar com André e apresentam o caso a Jesus. A história dos “gregos” que querem “ver Jesus” vai servir de pretexto a João para uma catequese sobre o que significa “ver Jesus”.
Os “gregos” vieram a Jerusalém “adorar” a Deus no Templo; mas quiseram encontrar-se com Jesus, conhecer Jesus e o seu projeto. Com isto, o autor do Quarto Evangelho sugere que o Templo e o culto antigo já não são mais os lugares onde o homem encontra Deus e a salvação; agora, quem estiver interessado em encontrar a verdadeira libertação deve dirigir-se ao próprio Jesus. A salvação/libertação que Jesus veio trazer tem um alcance universal. Jesus estava no interior do Templo, chamado Pátio de Israel. Ali, nenhum pagão podia entrar, sob pena de morte. Dois gregos, dois pagãos, aproximaram-se de Filipe, que estava na parte mais externa, no chamado Pátio dos Gentios, até onde qualquer pessoa podia chegar. Eles não podiam entrar no Templo, não poderiam ver Jesus, a não ser que este saísse e viesse aonde eles estavam. Filipe, então, foi a Jesus e lhe relatou o pedido dos gregos. Jesus disse: “Chegou a hora em que o Filho do Homem vai ser glorificado!” - “Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas, se morre, então produz fruto”. Jesus entregará ao Pai a sua vida, para frutificar em salvação para nós, para que possamos vê-lo, contemplá-lo e experimentá-lo como nossa Luz e nossa Vida!
O fato de Filipe falar primeiro com André e só depois os dois irem a Jesus reflete a dificuldade das primeiras comunidades para a evangelização dos pagãos. A decisão de integrar os pagãos não é uma decisão individual, mas comunitária.
Quem vai ao encontro de Jesus tem no horizonte apenas a cruz. Jesus está consciente de que vai sofrer uma morte violenta, mas nessa cruz se manifestará a “glória”. A morte de Jesus é o culminar sua existência terrena. Jesus procurou, em cada palavra e gesto, tornar o homem livre de todas as opressões e dar-lhe vida em plenitude. Destronou o ódio do sistema opressor, interessado em manter o homem escravo. Sem se assustar com a perspectiva da morte, Jesus levou avante a sua luta pela libertação da humanidade. A sua morte é a consequência do seu confronto com as forças da morte que dominavam o mundo.
Com a morte de Jesus na cruz, os discípulos aprendem sobre o amor extremo aos projetos de Deus e à libertação dos irmãos. Deste “dom” de Jesus nasce uma nova humanidade. E é uma humanidade que venceu o egoísmo e que aprendeu que a vida é para ser dada, sem limites, por amor. “Queremos ver Jesus!” Mas onde encontrá-Lo? O Documento de Aparecida diz:
1 Na fé recebida e vivida na igreja,
2 Na Escritura lida em comunidade e vivida,
3 Na Sagrada Liturgia, onde a Eucaristia é o lugar privilegiado do encontro do Discípulo com Jesus Cristo”,
4 Na Reconciliação (Confissão),
5 No pobre,
6 No enfermo e
7 Na oração.
O caminho para ver Jesus é a Cruz: “Quando Eu for elevado da terra (na Cruz), atrairei todos a Mim”. A Cruz é reveladora tanto da grandeza de Deus quanto da feiúra do pecado.  “Cristo foi crucificado e, do alto da Cruz, redimiu o mundo, restabelecendo a paz entre Deus e os homens”.
Na cruz de Jesus manifesta o amor sem limites de Deus para os homens.
A vida nasce do amor que se dá até às últimas consequências. Quem ama a si mesmo e se fecha num egoísmo estéril, perde a oportunidade de chegar à vida verdadeira, à salvação. O egoísmo levará ao medo de agir perante a injustiça. Quem esquece seus próprios interesses, se compromete com a luta pela justiça, esse dará frutos de vida e viverá uma vida plena. Jesus viveu por amor, sem medo de enfrentar o “mundo”. Jesus está livre desse medo e está livre para amar totalmente. Àqueles que querem “ver Jesus” e conhecer o seu projeto, Ele propõe o mesmo caminho – o caminho do amor e da entrega total. Ser discípulo é colaborar com Jesus na libertação dos homens, mesmo que isso signifique enfrentar as forças de opressão do “mundo”; é tomar a cruz e seguir o exemplo de Jesus. Quem aceitar esta proposta entra na comunidade de Deus. Poderá ser desprezado pelo “mundo”; mas será honrado por Deus e acolhido como filho.
Como dizia o Papa Bento XVI: Sua cruz é o critério do julgamento do mundo: tudo aquilo que fugir da lógica da cruz, é palha para ser queimada! É o amor manifestado e derramado na cruz que vence a morte e nos dá a vida plena. Na cruz, de braços abertos, o Salvador nosso une judeus e pagãos num só povo, o novo Povo, a Igreja, sua amada esposa una, santa, católica e apostólica!


MOMENTO COM A PALAVRA 21.03.15


Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo São João 7,40-53
Naquele tempo:
40Ao ouvirem as palavras de Jesus,
algumas pessoas da multidão diziam:
'Este é, verdadeiramente, o Profeta.'
41Outros diziam: 'Ele é o Messias'.
Mas alguns objetavam:
Porventura o Messias virá da Galiléia?
42Não diz a Escritura que o Messias
será da descendência de Davi
e virá de Belém, povoado de onde era Davi?'
43Assim, houve divisão no meio do povo
por causa de Jesus.
44Alguns queriam prendê-lo,
mas ninguém pôs as mãos nele.
45Então, os guardas do Templo
voltaram para os sumos sacerdotes e os fariseus,
e estes lhes perguntaram:
'Por que não o trouxestes?'
46Os guardas responderam:
'Ninguém jamais falou como este homem.'
47Então os fariseus disseram-lhes:
'Também vós vos deixastes enganar?
Por acaso algum dos chefes ou dos fariseus acreditou nele?
49Mas esta gente que não conhece a Lei,
é maldita!'
50Nicodemos, porém, um dos fariseus,
aquele que se tinha encontrado com Jesus anteriormente,
disse:
51'Será que a nossa Lei julga alguém,
antes de o ouvir e saber o que ele fez?'
52Eles responderam:
'Também tu és galileu, porventura?
Vai estudar e verás que da Galiléia não surge profeta.'
53E cada um voltou para sua casa.
Palavra da Salvação.
Reflexão - Jo 7, 40-53
Muitas pessoas conhecem diversas coisas sobre Jesus, mas não conhecem verdadeiramente a Jesus, porque fundamentaram o seu conhecimento numa leitura racional e científica da Palavra e da História, mas nunca tiveram um encontro pessoal com Jesus, nunca entraram na sua intimidade através da oração, nunca procuraram contemplá-lo, nunca quiseram desenvolver uma espiritualidade. Essas pessoas sempre fizeram de Jesus um objeto de conhecimento e não uma pessoa de relacionamento. Nunca viram verdadeiramente Jesus, de modo que não podem compreendê-lo, segui-lo, amá-lo e viver de acordo com os valores que ele propôs.


sexta-feira, 20 de março de 2015

SOBRE A HUMILDADE


Sobre a humildade
Uma falsa humildade é grande soberba, porque aspira à gloria [Santo Agostinho].
A humildade evita que a agarrem a compreendam. É como um poço sem fundo, nunca mais acaba de tornar-se humilde. Há poucos estudos dedicados a esta virtude; nesta investigação, além da Suma Teológica de São Tomás de Aquino, na parte dedicada ao tema da humildade, servirmo-nos-emos também do bom ensaio escrito, em 1974, pelo jesuíta François Varillon, L’umiltà di Dio, que nos recorda o paradoxo dessa virtude que deve ser estudada com a devida e humilde gradação:
Só Deus é humilde. O homem não é, a não ser na medida que reconhece a sua impotência em sê-lo. Aqui, deve-se avançar passo a passo. [...] Enquanto estivermos a caminho na terra, a humildade, sempre procurada como necessária, deve ser considerada um limite inacessível. [...] Só Deus, ao revelar-nos a nossa incapacidade de sermos humildes, nos torna humildes. A vitória da humanidade só pode ser o seu fracasso [François Varillon, L’umiltà di Dio].
Avançando passo a passo, atentos às voltas e revoltas da humildade-enguia, vemos agora o que nos dizem as duas autoridades máximas do pensamento cristão, Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, sabendo aliás como se sabe que Joseph Ratzinger foi e é um grande admirador do primeiro, mas “passional” do que do segundo, considerado mais frio (neste sentido, impressiona a confidencia de Bento XVI a Peter Seewald, no livro entrevista luz do mundo, quando associa São Tomás de Aquino a Santo Agostinho e São Boaventura, no circulo dos seus grandes e santos amigos, a quem se dirige nas suas orações cotidianas.
Santo Agostinho fala de várias obras da humildade, especialmente nos seus sermões, uma virtude que para ele, é paradoxal porque, na humildade, a descida coincide com a subida e o abaixamento com a verdadeira evolução, pelo que “o coração grande só pode encher-se na humildade: de fato, só ela se orienta para o altíssimo” [De Civitate Dei XIV].
Para o Bispo de Hipona, a humildade torna-se o segredo da unidade cada vez maior com Deus, e tudo isto é bem simbolizado pela figura de São João Batista, aquele de quem Cristo disse que não existe ninguém maior que ele, entre os nascidos de mulher [Lc 7,28], é um modelo de humildade precisamente porque ‘dá testemunho daquele que é mais do que um homem’ [Sermão 289,5], aliás porque ele é somente o ‘serviço da voz que grita a Cristo, o único que é a Palavra [Sermão 288,5].
“Portanto, quem é este homem, quem é João Batista?” – interrogou-se o papa Bento XVI, na homilia do 11 de dezembro de 2011:
A sua resposta é de uma humildade surpreendente. Não é o Messias, não é a luz. Não é Elias que voltou à terra, nem o grande profeta esperado. É o percussor, simples testemunha, totalmente subordinado Àquele que anuncia; uma voz no deserto, como também hoje no deserto das grandes cidades deste mundo, de grande ausência de Deus, precisamos de vozes que simplesmente nos anunciem: “Deus existe, está sempre próximo, embora pareça ausente”. É uma voz no deserto e é uma testemunha da luz; e isto toca-nos no coração, porque neste mundo com tantas trevas, com tantas escuridões, todos somos chamados a ser testemunhas da luz [Bento XVI – audiências públicas].
Se Santo Agostinho regressa muitas vezes ao paradoxo da humildade, em muitas partes da sua extensa obra, São Tomás, pelo contrário, dedica uma seção inteira da sua obra prima a esta estranha virtude (entre outras coisas, Santo Agostinho é um dos Padres da Igreja mais citados pelo autor da Suma, como também o demostra a seção II-II, q. 161, dedicada à humildade).
Com o seu inconfundível estilo calmo e nítido, o Aquinate avança ,passo a passo, achegando-se à humildade e com progressivas aproximações, avançando por teses e antíteses, e enfrentando seis argumentos:
- Se a humildade é uma virtude;
- Se consiste na volição ou no juízo da razão;
- Se por humildade devemos pôr-nos abaixo de todos;
- Se a humildade está entre as partes da modéstia e, portanto, da temperança;
- Como se relaciona com as outras virtudes;
- Os graus da humildade.
Primeiro ponto: já aludimos a ele; esta questão é posta precisamente porque “parece que a humildade não é uma virtude”. A favor dessa tese, São Tomás afirma, entre outras coisas, que “uma virtude nunca é incompatível com outras virtudes. Ao contrário, a humildade contrapõe-se à virtude da magnanimidade que tende para as coisas grandes, de que a humildade foge. Portanto, a humildade não é uma virtude”, e acrescenta que, “segundo Aristóteles, a virtude é uma disposição de um ser perfeito. A humildade, pelo contrário, é próprio de quem é imperfeito; de fato, não condiz com Deus, nem a humilhação nem a submissão aos outros. Por isso, a humildade não é uma virtude”. Contra essa tesa, São Tomás cita, antes de tudo, a autoridade de Orígenes que, por sua vez, cita duas passagens do evangelho: “Orígenes, ao comentar as palavras da Virgem, ‘olhou para a humildade está expressamente inserida entre as virtudes, já que o Salvador disse: aprendei de mim que sou manso e humilde de coração’”.     
Depois, volta-se para Santo Isidoro e para as suas etimologias, segundo as quais,
Umile suona humi acclinis (que jaz na terra), ou seja, aderente às coisas baixas. Mas isto pode acontecer de dois modos: primeiro, por causa extrínseca: como quando alguém é atirado ao chão por outra pessoa. E, então, a humildade é um sofrimento. Segundo por um principio intrínseco. E isto pode ser um bem, se alguém, ao considerar a sua miséria, se baixa até os limites de seu grau; como fez Abraão, quando disse ao Senhor: “Pois que me atrevi a falar ao meu Senhor, eu que sou apenas cinza e pó, continuarei”. Nesse caso a humildade é uma virtude. Mas, às vezes, pode ser um mal: como quando o homem, menosprezado em sua honra, equipara-se aos burros de carga irracionais e torna-se semelhante a eles [Suma Teológica seção II-II, q. 161].
Em suma, para todos os feitos, a humildade é uma virtude, construída essencialmente na reverência de Deus, desde que esse abaixamento seja verdadeiro e não falso:
Como já dissemos, enquanto virtude, a humildade implica um abaixamento louvável de si mesmo. Mas, as vezes, isso só se faz com os sinais externos, por fingimento. Mas esta é uma falsa humildade que, no dizer de Santo Agostinho, “é uma grande soberba”, porque aspira a glória. Outras vezes, pelo contrário isto faz-se por uma convicção profunda da alma. E é precisamente por isso que a humildade é uma virtude: dado que a virtude não consiste nos atos externos, mas consiste principalmente nas deliberações da alma, como diz Aristóteles [Suma Teológica seção II-II, q. 161].
Superado o escolho de se saber se a humildade é ou não uma virtude, o Aquinate interroga-se se ela não estará entre as maiores virtudes, porque de um lado, Santo Agostinho sublinha algumas vezes que ela é o fundamento de todas as outras virtudes e, do outro, o mesmo padre da Igreja afirma que “a humildade constitui quase todo o ensinamento de Cristo”.
Trata-se de um ponto muito importante: falar da humildade não é discutir se uma atitude superficial dos homens, mas, para o cristão, quer dizer penetrar no coração do mistério de Deus. Orígenes acertou o alvo, quando citou a passagem de Mateus 11,29: “Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração.” Como alguns séculos mais tarde haveria de dizes mestre Eckhart: “A virtude que tem nome de humildade está ramificada nas profundezas da divindade”. A humildade de cada homem, mesmo de um papa, consiste antes de tudo, como fonte e modelo, na humildade de Deus bíblico, criador e redentor.
Falaremos disso mais adiante; mas, antes, vejamos o perfil da humildade tal como emerge da reconstrução da Suma Teológica.
Por isso, a humildade é uma virtude e está entre as mais importantes, embora não seja a principal, nem seja uma virtude teologal (como a fé, a esperança e a caridade, dons diretos de Deus). A importância da humildade é paradoxalmente primaria, precisamente porque desempenha uma função “ancilar”. A humildade é uma virtude humilde. Aqui o adjetivo exprime pelo menos dois significados:
- a humildade é humilde porque é “instrumental”, “serve” as outras virtudes; não é uma virtude que tenha “alguma coisa de seu”, mais é funcional na remoção de obstáculos, como a soberba, que impede os homens de receber as virtudes principais (as teologais, dom de Deus);
- a humildade é humilde porque jaz por terra, deitada no chão, no sentido de que a humildade põe-se exatamente debaixo da terra, onde se encontram os fundamentos, quer dizer, é sobre a humildade que o homem pode construir a sua vida boa e virtuosa.
Talvez a linguagem linear da Suma Teológica seja mais eficaz do que qualquer uma das minhas paráfrases:
Assim como a ordenada agregação das virtudes é comparada a um edifício, assim também a primeira virtude que se requer na aquisição delas deve prepara-se aos fundamentos. Ora, as verdadeiras virtudes são infundidas por Deus. Por isso, de dois modos pode entender-se que uma virtude é a primeira na aquisição das outras. Primeiro, como remoção de obstáculos. E nesse sentido, a humildade está no primeiro lugar, enquanto expulsa a soberba, à qual Deus resiste, e torna o homem submisso e aberto a conhecer a infusão da graça divina, removendo os obstáculos as soberba, removendo o obstáculo da soberba, segundo as palavras de São Tiago: “Deus resiste aos soberbos, mas dá a sua graça aos humildes”. Nesse sentido, a humildade é o fundamento do edifício espiritual. [...] Cristo recomendou-nos a humildade mais do que qualquer outra coisa porque, sobretudo, com ela retiram-se os obstáculos da salvação humana que consiste em tender para as coisas celestes e espirituais, de que o homem é desviado quando atende às grandezas terrenas. Por isso, para afastar os obstáculos da salvação o Senhor ensinou-nos com seu exemplos de humildade, a desprezar a grandeza mundana. E assim, a humildade é uma predisposição do homem para obter livre acesso aos bens espirituais e divinos. Mas, assim como a perfeição é superior à predisposição correlativa, assim também a caridade e as outras virtudes, que põem o homem em contato com Deus, são superiores à humildade [Suma Teológica seção II-II, q. 161].
E, no entanto, a humildade está intimamente ligada a Deus, porque a “humildade implica sobretudo a submissão do homem de Deus. Eis porque Santo Agostinho atribuiu a humildade que, segundo ele, corresponde à pobreza em espírito, ao dom do temos, que inspira a reverencia a Deus”.
Para concluir, São Tomás recorda que “a humildade, como todas as outras virtudes, atua sobretudo na alma, e recapitulando:
A humildade consiste essencialmente nos atos da vontade, com os quais se travam os impulsos desordenados do seu ânimo em direção às coisas grandes, contudo, ela tem a sua regra na consciência, de modo que ninguém se julgue mais do que aquilo que é. Principio e raiz destes atos (da vontade e da razão) é a reverencia que se tem para com Deus. Finalmente, da atitude interior da humildade derivam sinais externos, palavras, ações e gestos que manifestam o interior, como acontece com as outras virtudes: dado que, como diz a Escritura, “o homem sensato conhece-se pelo aspecto e pelo modo de apresentar-se” [Suma Teológica seção II-II, q. 161].   

quinta-feira, 19 de março de 2015

MOMENTO COM A PALAVRA 20.03.15


Sexta 20.03.15
+ Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo São João 7,1-2.10.25-30
Naquele tempo:
1Jesus andava percorrendo a Galiléia.
Evitava andar pela Judéia,
porque os judeus procuravam matá-lo.
2Entretanto, aproximava-se a festa judaica das Tendas.
10Quando seus irmãos já tinham subido,
então também ele subiu para a festa,
não publicamente mas sim, como que às escondidas.
25Alguns habitantes de Jerusalém disseram então:
'Não é este a quem procuram matar?
26Eis que fala em público e nada lhe dizem.
Será que, na verdade, as autoridades reconheceram
que ele é o Messias?
27Mas este, nós sabemos donde é.
O Cristo, quando vier, ninguém saberá donde ele é.'
28Em alta voz, Jesus ensinava no Templo, dizendo:
'Vós me conheceis e sabeis de onde sou;
eu não vim por mim mesmo,
mas o que me enviou é fidedigno.
A esse, não o conheceis,
29mas eu o conheço,
porque venho da parte dele,
e ele foi quem me enviou.'
30Então, queriam prendê-lo,
mas ninguém pôs a mão nele,
porque ainda não tinha chegado a sua hora.
Palavra da Salvação.
Reflexão

A descrença pode ter consequências terríveis como nos revela o Evangelho de hoje. As pessoas que acreditaram em Jesus procuraram seguir seus ensinamentos e viver uma nova forma de relacionamento com Deus, de modo que a sua fé gerava a vida em abundância. Os que não aceitavam as palavras de Jesus não só se privavam desta vida como também procuravam tirar a vida de Jesus. Mas o nosso Deus é o Deus da vida. A descrença luta contra a vida e pode até mesmo tirar a vida das pessoas, mas tira apenas a vida biológica, e o sangue que é derramado fertiliza a terra para que nela brote as sementes de vida eterna. O sangue de Jesus foi derramado, assim como o de muitos mártires, e isso faz com que as sementes do Reino cresçam e dêem fruto.