O abraço da
misericórdia de Deus
Parece que em alguns momentos de nossa vida, e neste
tempo da quaresma, tenho vivenciado e celebrado este mistério, nos defrontamos
com uma crise pela nossa pequenez. Falo do mistério da nossa vida imbuído dentro
do mistério maior, isto é, o mistério da misericórdia de Deus. Em alguns
momentos da vida pensamos: o meu pecado é por demais imenso, o meu afastamento
de Deus se assemelha ao afastamento do filho mais novo na parábola do pai
misericordioso (Lc 15), a minha incredulidade é como a de Tomé; não tenho
coragem de voltar, acho que Deus não me acolhe mais. São inquietações que estão
no fundo do nosso ser.
Foi esta a experiência que ouvia nesse belo período
quaresmal, e em muitas vezes no meu ministério pastoral me deparei com esta
indagação: “padre tenho muitos pecados”. Diferentemente daquilo que nos propõe
esse mundo capitalista e tecnicista, diante dessa lógica numérica da produção,
para Deus, somos mais que números, somos importante, mesmo diante de nossos
pecados, somos aquilo que lhe é mais caro.
Poderemos fazer um percurso por meio de algumas passagens
bíblicas que nos apoiariam nessa aventura de perceber a grandeza da misericórdia
e da paciência de Deus, que são aspectos da magnânima pedagogia divina.
A misericórdia de Deus: como é bela esta realidade
da fé para a nossa vida! Como é grande e profundo o amor de Deus por nós! É um
amor que não falha, que sempre segura a nossa mão, nos sustenta, levanta e
guia.
No evangelho de João 20,19-28, o apóstolo Tomé
experimenta precisamente a misericórdia de Deus, que tem um rosto concreto: o
de Jesus de, de Jesus ressuscitado. Tomé não confia nos demais apóstolos,
quando lhes dizem: “vimos o Senhor”; para ele não é suficiente a promessa de
Jesus que havia anunciado: ao terceiro dia ressuscitarei. As nuvens de insegurança
que nos propõe as dificuldades da vida nos impedem de reconhecer e celebrar a
vida do ressuscitado na nossa vida. Tomé quer ver, quer colocar a mão no sinal
das mãos e no peito. E qual é a reação de Jesus? A paciência: Jesus não
abandona Tomé relutante na sua incredulidade; dá-lhe uma semana de tempo, não
fecha a porta, espera. E Tomé acaba por reconhecer a sua própria pobreza, e sua
pouca fé. “Meu Senhor e meu Deus”. Com essa invocação simples, mais cheia de
fé, responde a paciência de Jesus. Deixa-se envolver pela misericórdia divina,
vê-a a sua frente, nas feridas das mãos e dos pés, no peito aberto, e readquire
a confiança: é um homem novo, já não incrédulo mas crente.
Recordemos também o caso de Pedro: por três vezes
renegara Jesus, precisamente quando Lhe devia estar unido; e quando, chega ao
fundo, encontra o olhar de Jesus que, com paciência e sem palavras, lhe diz:
“Pedro, não tenhas medo de tua fraqueza, confia em mim”. E Pedro compreende,
sente o olhar amoroso de Jesus e chora... Como é belo esse olhar de Jesus!
Quanta ternura! Não percamos jamais a confiança na paciente misericórdia de
Deus!
Pensemos nos dois discípulos de Emaus: o rosto
triste, passos vazios, sem esperança. Mais Jesus não os abandona: percorre
juntamente com eles a estrada. E não só, com paciência, explica as Escrituras a
Si se referiam e para na casa deles, partilhando a refeição. Este é o estilo de
Deus: não é impaciente como nós, que muitas vezes queremos tudo e
imediatamente, mesmo quando se trata de pessoas. Deus é paciente conosco,
porque nos ama; e quem ama compreende, espera, dá confiança, não abandona, não
derruba as pontes, sabe perdoar. Recordemos na nossa vida de cristão: Deus
sempre espera por nós, mesmo quando nos afastamos! Ele nunca está longe e, se
voltarmos para Ele, está pronto para nos abraçar.
Causa-me sempre grande impressão a releitura da
parábola do pai misericordioso; impressiona-me pela grande esperança que sempre
me dá. E não posso deixar de me lembrar de um irmão no sacerdócio que se
encanta e alimenta com esse preciosíssimo texto de São Lucas. Pensai naquele
filho mais novo, que estava na casa do pai, era amado; e, todavia, deseja a sua
parte na herança; abandona a casa, gasta tudo, chega ao nível mais baixo, mais
distante do pai; e, quando tocou o fundo, sente saudades do calor da casa
paterna e retorna. E o pai? Teria esquecido o filho? Não, nunca! Estava lá,
avista-o ao longe, tinha esperado por ele todos os dias, todos os momentos:
como filho sempre esteve no seu coração, apresar de tê-lo deixado e malbaratado
todo o patrimônio, isto é, a sua liberdade; com a paciência e amor; com esperança
e misericórdia, o pai não tinha deixado nenhum instante sequer de pensar nele,
e logo que vê, ainda longe, corre ao seu encontro e o abraça com ternura – a
ternura de Deus -, sem uma palavra de censura: voltou! Isso é a alegria do pai;
naquele abraço ao filho, está toda a alegria: voltou! Deus sempre espera por nós,
não se cansa. Faço questão de reafirmar aquilo já colocado no principio dessa
reflexão, a saber, para Deus, somos mais
que números, somos importante, mesmo diante de nossos pecados, somos aquilo que
lhe é mais caro.
Jesus
mostra-nos essa paciência misericordiosa de Deus, para sempre reencontramos
confiança, esperança! Um grande teólogo alemão, Romano Guardino, dizia que Deus
responde à nossa fraqueza com a sua paciência e isso é motivo da nossa confiança,
da nossa esperança. É uma espécie de diálogo entre a nossa fraqueza e a
paciência de Deus.
Gostaria de sublinhar outro elemento: a paciência de
Deus deve encontrar em nós a coragem de regressar a Ele, qualquer que seja o
erro, qualquer que seja o pecado em nossa vida. Jesus convida Tomé a colocar as
mãos em suas chagas das mãos e dos pés e na ferida do peito. Nós também podemos
entrar nas chagas de Jesus, podemos tocá-lo realmente, isso acontece todas as
vezes que recebemos, com fé, os sacramentos. São Bernardo diz numa bela
homilia: “por essas feridas (de Jesus), posso saborear o mel dos rochedos e o
azeite da rocha duríssima, isto é, posso saborear e ver como o Senhor é bom”. É
justamente nas chagas de Jesus que vivemos seguros, nelas se manifestam o amor
imenso de seu coração.
Nenhum comentário:
Postar um comentário