sábado, 21 de março de 2015

O ABRAÇO DA MISERICÓRDIA DE DEUS


O abraço da misericórdia de Deus
Parece que em alguns momentos de nossa vida, e neste tempo da quaresma, tenho vivenciado e celebrado este mistério, nos defrontamos com uma crise pela nossa pequenez. Falo do mistério da nossa vida imbuído dentro do mistério maior, isto é, o mistério da misericórdia de Deus. Em alguns momentos da vida pensamos: o meu pecado é por demais imenso, o meu afastamento de Deus se assemelha ao afastamento do filho mais novo na parábola do pai misericordioso (Lc 15), a minha incredulidade é como a de Tomé; não tenho coragem de voltar, acho que Deus não me acolhe mais. São inquietações que estão no fundo do nosso ser.
Foi esta a experiência que ouvia nesse belo período quaresmal, e em muitas vezes no meu ministério pastoral me deparei com esta indagação: “padre tenho muitos pecados”. Diferentemente daquilo que nos propõe esse mundo capitalista e tecnicista, diante dessa lógica numérica da produção, para Deus, somos mais que números, somos importante, mesmo diante de nossos pecados, somos aquilo que lhe é mais caro.
Poderemos fazer um percurso por meio de algumas passagens bíblicas que nos apoiariam nessa aventura de perceber a grandeza da misericórdia e da paciência de Deus, que são aspectos da magnânima pedagogia divina.  
A misericórdia de Deus: como é bela esta realidade da fé para a nossa vida! Como é grande e profundo o amor de Deus por nós! É um amor que não falha, que sempre segura a nossa mão, nos sustenta, levanta e guia.
No evangelho de João 20,19-28, o apóstolo Tomé experimenta precisamente a misericórdia de Deus, que tem um rosto concreto: o de Jesus de, de Jesus ressuscitado. Tomé não confia nos demais apóstolos, quando lhes dizem: “vimos o Senhor”; para ele não é suficiente a promessa de Jesus que havia anunciado: ao terceiro dia ressuscitarei. As nuvens de insegurança que nos propõe as dificuldades da vida nos impedem de reconhecer e celebrar a vida do ressuscitado na nossa vida. Tomé quer ver, quer colocar a mão no sinal das mãos e no peito. E qual é a reação de Jesus? A paciência: Jesus não abandona Tomé relutante na sua incredulidade; dá-lhe uma semana de tempo, não fecha a porta, espera. E Tomé acaba por reconhecer a sua própria pobreza, e sua pouca fé. “Meu Senhor e meu Deus”. Com essa invocação simples, mais cheia de fé, responde a paciência de Jesus. Deixa-se envolver pela misericórdia divina, vê-a a sua frente, nas feridas das mãos e dos pés, no peito aberto, e readquire a confiança: é um homem novo, já não incrédulo mas crente.
Recordemos também o caso de Pedro: por três vezes renegara Jesus, precisamente quando Lhe devia estar unido; e quando, chega ao fundo, encontra o olhar de Jesus que, com paciência e sem palavras, lhe diz: “Pedro, não tenhas medo de tua fraqueza, confia em mim”. E Pedro compreende, sente o olhar amoroso de Jesus e chora... Como é belo esse olhar de Jesus! Quanta ternura! Não percamos jamais a confiança na paciente misericórdia de Deus!
Pensemos nos dois discípulos de Emaus: o rosto triste, passos vazios, sem esperança. Mais Jesus não os abandona: percorre juntamente com eles a estrada. E não só, com paciência, explica as Escrituras a Si se referiam e para na casa deles, partilhando a refeição. Este é o estilo de Deus: não é impaciente como nós, que muitas vezes queremos tudo e imediatamente, mesmo quando se trata de pessoas. Deus é paciente conosco, porque nos ama; e quem ama compreende, espera, dá confiança, não abandona, não derruba as pontes, sabe perdoar. Recordemos na nossa vida de cristão: Deus sempre espera por nós, mesmo quando nos afastamos! Ele nunca está longe e, se voltarmos para Ele, está pronto para nos abraçar.
Causa-me sempre grande impressão a releitura da parábola do pai misericordioso; impressiona-me pela grande esperança que sempre me dá. E não posso deixar de me lembrar de um irmão no sacerdócio que se encanta e alimenta com esse preciosíssimo texto de São Lucas. Pensai naquele filho mais novo, que estava na casa do pai, era amado; e, todavia, deseja a sua parte na herança; abandona a casa, gasta tudo, chega ao nível mais baixo, mais distante do pai; e, quando tocou o fundo, sente saudades do calor da casa paterna e retorna. E o pai? Teria esquecido o filho? Não, nunca! Estava lá, avista-o ao longe, tinha esperado por ele todos os dias, todos os momentos: como filho sempre esteve no seu coração, apresar de tê-lo deixado e malbaratado todo o patrimônio, isto é, a sua liberdade; com a paciência e amor; com esperança e misericórdia, o pai não tinha deixado nenhum instante sequer de pensar nele, e logo que vê, ainda longe, corre ao seu encontro e o abraça com ternura – a ternura de Deus -, sem uma palavra de censura: voltou! Isso é a alegria do pai; naquele abraço ao filho, está toda a alegria: voltou! Deus sempre espera por nós, não se cansa. Faço questão de reafirmar aquilo já colocado no principio dessa reflexão, a saber, para Deus, somos mais que números, somos importante, mesmo diante de nossos pecados, somos aquilo que lhe é mais caro.
 Jesus mostra-nos essa paciência misericordiosa de Deus, para sempre reencontramos confiança, esperança! Um grande teólogo alemão, Romano Guardino, dizia que Deus responde à nossa fraqueza com a sua paciência e isso é motivo da nossa confiança, da nossa esperança. É uma espécie de diálogo entre a nossa fraqueza e a paciência de Deus.
Gostaria de sublinhar outro elemento: a paciência de Deus deve encontrar em nós a coragem de regressar a Ele, qualquer que seja o erro, qualquer que seja o pecado em nossa vida. Jesus convida Tomé a colocar as mãos em suas chagas das mãos e dos pés e na ferida do peito. Nós também podemos entrar nas chagas de Jesus, podemos tocá-lo realmente, isso acontece todas as vezes que recebemos, com fé, os sacramentos. São Bernardo diz numa bela homilia: “por essas feridas (de Jesus), posso saborear o mel dos rochedos e o azeite da rocha duríssima, isto é, posso saborear e ver como o Senhor é bom”. É justamente nas chagas de Jesus que vivemos seguros, nelas se manifestam o amor imenso de seu coração.



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