Deus fala na Bíblia e nas
histórias que o povo conta
Muitos
escritos contemporâneos aos escritos bíblicos não entraram na Bíblia e são
considerados apócrifos. Os livros que formaram a Bíblia se tornaram mais
conhecidos. Muito cedo foram traduzidos em outras línguas, a começar do grego e
do latim; hoje há versões em quase todas as línguas. Parece ter sido um
trabalho simples e fácil, mas não foi. Exigiu muito esforço de pessoas e grupos
que se dedicaram a copiar, rever, comparar e apresentar sua análise e crítica
textual, que aparece na Bíblia e em obras especializadas.
Os Livros Apócrifos
Talvez
você nunca tenha ouvido a palavra “apócrifo”. Ela soa estranha e difícil, mas
não é. A palavra vem do grego (apókriphos) e significa “escondido, secreto”.
Ela aparece por exemplo, em Cl 2,2-3 – “... mistério de Deus, [...] no qual se
acham escondidos todos os tesouros [...]” – e em Mc 4,22 – “...nada há de
escondidos todos os tesouros [...]”. Ao se contrapor aos livros canônicos, a
palavra tomou outro sentido, passando a indicar livro de origem incerta, não
inspirado, não canônico.
Existem
livros apócrifos do Primeiro e do Segundo Testamentos. Os do Primeiro
Testamento surgiram do século II a.E.C. ao século III E.C. Entre os mais
importantes, encontram-se o Apocalipse de Moisés, 2 Esdras, 3 e 4 Macabeus,
Henoc, Testamento dos Doze Patriarcas, Salmos de Salomão, Assunção de Moisés, e
muitos outros. Os apócrifos do Segundo Testamento que chegaram até nós vão do
século I até o século V E.C Predominam os livros sobre a infância de Jesus, sua
paixão, os pais de Jesus e os apóstolo. Sobre a infância, destaca-se o
protoevangelho de Tiago e o livro da Natividade de Maria. Sobre a paixão, o
evangelho de Nicodemos e o evangelho de Gamaliel. Sobre a paixão, o evangelho
de Nicodemos e o evangelho de Gamaliel. Sobre os pais de Jesus, a Morte de
Maria o Trânsito de Maria e a História de José, o carpinteiro.
Os
livros apócrifos não foram considerados inspirados. Eles tinham a preocupação
de dar maiores informações sobre as pessoas que apareciam na Bíblia, manter
viva a esperança no Messias e dar informações sobre o ambiente religioso,
cultural e social do período em que surgiram. Esses escritos refletiam às vezes
até uma viva e profunda fé, misturada, porém, com uma grande dose de imaginação
e fantasia. Muitos deles inspiraram as pinturas e a iconografia (imagens de
santos).
Livros
de grande valor surgiram e vão surgir. Eles podem ser importantes para ajudar a
encontrar o sentido da vida e dar razões para aquilo em que acreditamos. Podem
ajudar a entender o que está escrito nos diferentes cânones da Bíblia, tornando
mais clara para nós, a vontade de Deus e o caminho da salvação, mas outros
livros não podem entrar na lista dos diversos cânones bíblicos.
Muitas
pessoas de tempos, lugares e situações diferentes contribuíram para que os
livros sagrados e os apócrifos chegassem até nós: as mulheres e os homens que
escreveram esses livros e também todas as pessoas que contaram as histórias,
copiaram os textos, cuidaram de sua conservação e os traduziram do hebraico,
aramaico, grego e latim para a nossa e para outras línguas.
A Bíblia entre nós
A
Bíblia levou mais de mil anos para ser escrita. Começou por volta de 1250
a.E.C. e terminou cerca do ano 115 E.C. Dessa última data até hoje, passaram-se
quase 2 mil anos. Além da grande distância no tempo, as línguas em que a Bíblia
foi escrita não são, normalmente conhecidas entre nós. Era necessário que
alguém a traduzisse das línguas originais para as línguas faladas hoje. Por
isso, desde cedo começaram a aparecer traduções.
a) Traduções Gregas
A
tradução da Bíblia hebraica para o grego ocorreu porque, com o passar dos anos,
os descendentes dos judeus não falavam nem liam mais o hebraico, e sim o grego.
Nasceu assim a necessidade de traduzir a Bíblia hebraica para o grego. Essa
tradução é conhecida como a Septuaginta ou Setenta (LXX).
Outras
traduções do texto hebraico para o grego foram surgindo, como a Héxapla (do
grego, “seis colunas”). Foi organizada por Orígenes. Ele colocou em seis
colunas paralelas quatro traduções dos textos da Bíblia. Na primeira coluna
colocou o texto hebraico; na segunda, a transcrição do texto hebraico em grego;
na terceira a tradução Áquila; na quarta, a tradução de Símaco; na quinta, a
dos Setenta corrigida por Orígenes; e, na sexta, a tradução de Teodocião. A
Héxapla era uma coleção de 50 volumes, que não existe mais. Foi destruída pelos
árabes, por volta do ano 638 E.C.
b) Traduções para o latim
As
primeiras traduções dos textos originaius da Bíblia para o latim levam o nome
genérico de Vetus Latina. São Parciais, Anteriores à vulgata e importantes por
causa de suas notas explicativas.
No
ano 323 E.E, Constantino, imperador romano, emitiu o “Édito de Milão” dando
liberdade religiosa e de culta a todos os cidadãos do reino, favorecendo, sem
dúvida, os cristãos. Mais tarde, com o imperador Teodósio I em 280 E.C., o
cristianismo foi proclamado “religião de estado”. Nessa época do Ocidente, a
língua falada popularmente era o latim. Surgiu, então, a necessidade de
traduzir a Bíblia para esse idioma, com o intuito de oferecê-la na língua do
povo. Essa tradução chamou-se vulgata e significa “popular”. Foi feita por
Jerônimo, um estudioso da Bíblia, dos Anos 390 a 405 E.C. Sua importância está
nas introduções a cada livro da Bíblia e nos comentários. Ainda hoje é
considerada texto oficial da Igreja Católica. A partir do Concílio Vaticano II
(1962-1965), foi feita uma nova revisão da Vulgata e publicada com o nome de
Neo vulgata (Nova vulgata), na Cidade do Vaticano, em 1976.
c) Traduções para as línguas
modernas
A
partir de 1500 E.C., o latim não era mais a língua falada pela maioria do povo.
Cada país do Ocidente Falava sua língua. Não era mais possível oferecer a
Bíblia numa única Língua. Pouco a pouco a Bíblia foi sendo traduzida para
diversas línguas: alemão, inglês, francês, espanhol, português e outras. Essa
iniciativa de traduzir a Bíblia em línguas modernas deve-se sobretudo a Lutero,
Calvino e aos anglicanos.
A
primeira tradução dos textos originais da Bíblia para o português de Portugal
foi feita pelo calvinista João Ferreira de Almeida em 1680. No Brasil, a Bíblia
foi impressa pela primeira vez em 1864, no Rio de Janeiro, por Garnier
Livreiro-Editor. Era tradução da Vulgata em português de Portugal, foi feita
pelo Pe. Antônio Pereira de Figueiredo. Circulou até a terceira edição, mais
foi proibida por Roma, por causa das notas ao pé da página, que não foram
aceitas. Em 1904, foi feita uma revisão dessas notas pelo Pe. Santos Farinha,
aprovada e editada em 1904.
Em
1943, Edições Paulinas imprimiram a Bíblia traduzida da Vulgata em português de
Portugal pelo Pe. Matos Soares. De 1958 em diante, todas as traduções da Bíblia
foram feitas das Línguas Originais, e publicadas por várias editoras: Biblia de
Jerusalém (Paulus, 1985), Biblia Sagrada (Vozes), Biblia Sagrada (Ave Maria, 1977),
Bíblia Sagrada: edição pastoral (Paulus, 1990), a Bíblia TEB (Loyola, 1994),
Bíblia do peregrino (São Paulo, Paulus, 200), Bíblia – tradução da CNBB 2001. O
trabalho de tradução é muito exigente e difícil, dada a grande quantidade de
cópias diferentes que surgiram no decorrer dos anos e que foram conservadas em
museus, além das exigências linguísticas atuais.
O texto bíblico e suas
dificuldades
As
últimas redações originais dos textos bíblicos foram feitas há quase 2 mil
anos. Esses textos foram escritos em materiais perecíveis, em línguas antigas e
em lugares diferentes, em situações de dominação quase constante, exílios e
guerras frequentes. Nessas condições, era impossível que chegassem até nós
esses textos originais! Assim, a Bíblia que temos hoje é formas por cópias e
cópias desses textos.
As cópias eram
feitas por pessoas que sabiam ler e escrever as línguas de origem. Elas eram
chamadas copistas ou amanuenses. Muitas delas faziam isso como profissão. A
palavra “amanuense” vêm do latim e quer dizer “aquele que copia à mão”. As
cópias que os amanuenses faziam recebiam o nome de manuscritos (escritos à
mão).
Surgiam
muitos erros de uma cópia para outra, por vários motivos. O copista às vezes
não enxergava bem o que estava copiando, ou não ouvia bem quando alguém ditava,
ou entendia uma coisa, mas era outra, ou tinha muita pressa, ou não tinha boa
memória. Havia tantas causas! Por isso, existem cópias de livros da Bíblia em
que faltam palavras, ou há palavras invertidas, trocadas... Às vezes os
copistas não entendiam uma abreviação ou uma palavra e cometiam erros sem
querer.
Aconteceram
outras mudanças no texto copiado porque o copista fez algumas correções de
gramática, de estilo e até de conteúdo. As diferenças ou erros no mesmo texto
ou entre um texto e outro são chamadas de “lições” ou “variantes”. Essas
diferenças entre as cópias fizeram nascer um estudo importante chamado crítica
textual.
Critica textual da Bíblia
Crítica
textual é a arte de descobrir e corrigir os erros de um texto transmitido.
Aplicada à Bíblia, procurar extrair dos diversos manuscritos bíblicos,
disponíveis atualmente – que são copias – o texto que, por deduções, se
aproxime o máximo possível do original. No exame que faz desses textos
manuscritos, a crítica textual está atenta às mudanças feitas pelos copistas
entre uma cópia e outra, examinando também outros aspectos correlatos, tais
como a estrutura do texto e o que ele diz ou deixa de dizer.
Como
saber se esta ou aquela cópia (manuscrito) é a mais parecida com o texto
original, quando este não existe mais? É difícil acertar cem por cento. Os
estudiosos da Bíblia seguem algumas regras que ajudam a saber qual das cópias
se parece mais com o texto original. Primeiro, escolhem a variante (ou lição)
que ajuda a entender e explicar outras variantes. Segundo, escolhem a variante
mais difícil e a mais curta, e não a mais fácil e a mais longa, porque esta
seria a redação de alguém que já teria tentado explicá-la. Terceiro, escolhem a
que é diferente dos outros textos paralelos.
A
crítica textual não é mais importante do que o texto da Bíblia. Apenas quer
ajudar a entender melhor o texto, no ponto em que há problema para
compreendê-lo. Quer ajudar a tirar as mensagens de acordo com o que o texto
quer dizer, e não com o que nós queremos que ele diga.
Formação da Bíblia hebraica
As
cópias dos textos originais, ou manuscritos, da Bíblia hebraica – a qual
corresponde ao Primeiro Testamento para os cristãos – levam o nome da cidade
onde eles se encontram ou foram achados. Assim, temos os seguintes manuscritos:
·
Manuscrito de
Leningrado, do ano 1008 E.C.; encontra-se na Rússia.
·
Manuscrito de
Alepo, na Síria, do início do século X E.C. Foi levado para a Biblioteca de
Israel.
·
Manuscrito
Cairense, da cidade do Cairo, no Egito. É do ano 885 E.C.
·
A esses
manuscritos se acrescenta, também, um códice, do ano 847 E.C., descoberto
recentemente na coleção do Instituto para os Povos Asiáticos de Leningrado.
Merece
destaque o trabalho de crítica textual que os massoretas realizaram com muita
seriedade no estudo comparativo das diferentes cópias de textos da Bíblia
Hebraica, de que dispunham. Quando encontravam cópias de textos ou livros
inteiros da Bíblia com erros de transcrição ou palavras trocadas, eles
respeitavam o texto sem o corrigir. Indicavam ao pé da página, em duas colunas
horizontais e em uma coluna da margem lateral vertical as palavras que eram
escritas e lidas de forma diferente do texto e em qual documento se encontravam.
Foi um trabalho de grande responsabilidade e muito importante para os estudos
bíblicos.
Formação do Segundo
Testamento
Do
Segundo Testamento, escrito na língua grega aproximadamente entre os anos 50 e
115 E.C., também não existe mais nenhum texto original. As cópias eram feitas
com dois tamanhos de letras, maiúsculas e minúsculas. As cópias ou manuscritos
de letras maiúsculas também levam o nome da cidade onde se encontram hoje. Os
manuscritos mais importantes que serviram de base para formar o Segundo
Testamento são:
·
Manuscrito do
Vaticano(B), do século IV E.C. É um dos manuscritos mais autorizados.
·
Sinaítico (S),
do fim do século IV E.C. Encontra-se no mosteiro de Santa Catarina na península
do monte Sinai. Além de trazer o Primeiro e o Segundo Testamentos, traz outros
livros que não entraram na lista dos aprovados na Bíblia usada pelos cristãos
católicos, como o quarto livro de Macabeus, carta de São Barnabé e a carta ao
Pastor de Hermas.
São
igualmente importantes o Reescrito de Santo Efrém (C), o Manuscrito Alexandrino
(A), o Manuscrito de Beza (D 05) e o Manuscrito de Clermont (D 06).
O Manuscrito de
Santo Efrém é conhecido também por Reescrito, porque o texto original “foi
raspado para ser escrito novamente”, processo conhecido como palinsesto, nos
estudos bíblicos. O primeiro texto do Segundo Testamento foi escrito no Século
IV E.C., raspado no século VI e substituído por um texto de santo Efrém. A
leitura do texto de santo Efrém. A leitura do texto primitivo que havia sido
raspado tornou-se possível mediante um processo fotográfico com raios
infravermelhos.
Os
quatro documentos mais importantes – Vaticano, Sinaítico, Reescrito de Santo
Efrém e Alexandrino – contêm o Primeiro e o Segundo Testamentos, mas serviram
principalmente para formar o Segundo Testamento. Além dos manuscritos em letra
maiúscula, existem os manuscritos em letra minúscula, os papiros e os
lecionários. São classificados por números e não por nomes e letras.
O manuscrito
mais importante em letra minúscula é o número 461. Traz os quatro evangelhos;
foi copiado por volta do ano 835 E.C. e encontra-se na Biblioteca de
Leningrado, na Rússia.
O
papiro mais antigo é o 52. Ele traz alguns versículos do evangelho de João (Jo
18,31-38). Encontra-se na Biblioteca de J. Ryland, na Inglaterra. O lecionário
(1) mais antigo é o de número 1596. Foi escrito no século V e encontra-se em
uma biblioteca, em Viena.
Esses
manuscritos são agrupados em famílias, identificadas por uma letra maiúscula do
alfabeto. No grupo H, encontram-se os manuscritos mais importantes e antigos: o
vaticano (B), o Sinaítico (S), o Lecionário 1596 (1) e muitos papiros.
A contagem do tempo
Cada
povo conta o tempo do seu jeito. Uns contam os anos a partir do movimento do
Sol, outros, da Lua, outros, ainda, do Sol e da Lua. Essas formas de contar o
tempo recebem o nome de calendário solar, lunar e lunissolar. O calendário
determina o inicio do ano, divide-o em períodos de meses, semanas, dias e
horas. A princípio, ele servia para indicar as festividades ou celebrações
rituais – religiosas, do plantio e da colheita na agricultura. Aos poucos o
calendário foi sendo usado para marcar outros fatos da vida civil. Muitos povos
antigos e modernos têm um calendário religioso e um civil. Também hoje existe
um ano civil, um ano escolar e um ano litúrgico. Cada um deles começa e termina
em época diferente. O nosso ano civil tem 365 dias, 12 meses, sete dias na
semana e 24 horas ao dia. Começa em 1 de janeiro e termina em 31 de dezembro.
Será que era feita assim a contagem dos anos pelo povo da Bíblia?
Como
entender quando a Bíblia fala que algumas pessoas viveram mais de 200 anos e
matusalém chegou até 969 anos? (Gn 5,27). Muita gente pensa que a contagem dos
anos era muito diferente da nossa. Não era, Não! O povo da Bíblia, no início,
adotava o calendário dos povos que o dominaram, como os egípcios e os
babilônios. Depois, elaborou seu próprio calendário. Ora, o calendário egípcio,
há 4 mil anos a.E.C, já conhecia o ano de 365 dias, 12 meses de 30 dias, mais
cinco suplementares. Muito Parecido com este era o calendário da Babilônia. O
povo da Bíblia seguia esses calendários.
A
Bíblia atribui um grande número de anos a um de seus personagens para indicar a
qualidade de vida dos anos, e não sua quantidade. O autor da Bíblia não estava
preocupado em dizer com quantos anos morreu matusalém, mas em dizer que a vida
dele foi bem vivida. Uma forma de avaliar a intensidade de vida de um
personagem Bíblico era lhe atribuir um elevado número de anos. Este, porém,
tinha um valor simbólico e não real.
O antigo calendário judaico foi organizado pelo
patriarca Hillel II, no ano 358 E.C. O ano consiste em 12 meses lunares, alguns
com 29 dias e outros com 30 dias, sendo acrescentado um mês de 30 dias a cada
três anos, para que corespondam às festas litúrgicas em suas respectivas
estações