sábado, 26 de dezembro de 2015

REFLEXÃO PARA A FESTA DA SAGRADA FAMÍLIA DE JESUS, MARIA E JOSÉ

PRIMEIRA LEITURA
AMBIENTE
O livro de Ben-Sirac (também chamado “Eclesiástico”) pretende apresentar uma reflexão de caráter prático sobre a arte de bem viver e de ser feliz. Estamos no início do séc. II a.C., numa época em que o helenismo tinha começado o seu trabalho pernicioso, no sentido de minar a cultura e os valores tradicionais de Israel. Jesus Ben-Sira, o autor deste livro, avisa os israelitas para não deixarem perder a identidade cultural e religiosa do seu Povo. Procura, então, apresentar uma síntese da religião tradicional e da sabedoria de Israel, sublinhando a grandeza dos valores judaicos e demonstrando que a cultura judaica não fica a dever nada à brilhante cultura grega.
MENSAGEM
O texto apresenta uma série de indicações práticas que os filhos devem ter em conta nas relações com os pais. Uma palavra sobressai: o verbo “honrar”. Ele leva-nos ao decálogo do Sinai (cf. Ex 20,12), onde aparece no sentido de “dar glória”. “Dar glória” a uma pessoa é dar-lhe toda a sua importância; “dar glória aos pais” é, assim, reconhecer a sua importância como instrumentos de Deus, fonte de vida. Ora, reconhecer que os pais são a fonte, através da qual Deus nos dá a vida, deve conduzir à gratidão; e essa gratidão tem consequências a nível prático. Implica ampará-los na sua velhice e não os desprezar nem abandonar; implica assisti-los materialmente quando já não podem trabalhar (cf. Mc 7,10-11); implica não fazer nada que os desgoste; implica escutá-los, ter em conta as suas orientações e conselhos; implica ser indulgente para com as limitações que a idade traz. Dado o contexto da época em que Ben-Sira escreve, é natural que, por detrás destas indicações aos filhos, esteja também a preocupação com o manter bem vivos os valores tradicionais, esses valores que os mais antigos preservam e que passam aos jovens. Como recompensa desta atitude de “honrar” os pais, Jesus Ben-Sira promete o perdão dos pecados, a alegria, a vida longa e a atenção de Deus.
SEGUNDA LEITURA
AMBIENTE
Paulo estava na prisão (possivelmente em Roma, anos 61/63) quando escreveu aos colossenses. Algum tempo antes, Paulo havia recebido notícias pouco animadoras sobre a comunidade de Colossos. Essas notícias falavam da perigosa tendência de alguns doutores locais, que ensinavam doutrinas errôneas e afastavam os colossenses da verdade do Evangelho. Essas doutrinas misturavam práticas legalistas, práticas ascéticas, especulações sobre os anjos e achavam que toda esta mistura confusa de elementos devia completar a fé em Cristo e comunicar aos crentes  um conhecimento superior dos mistérios cristãos e uma vida religiosa mais autêntica. Sem refutar essas doutrinas de modo direto, Paulo afirma a absoluta suficiência de Cristo e assinala o seu lugar proeminente na criação e na redenção dos homens.
MENSAGEM
Em termos mais concretos, viver como “homem novo” implica cultivar um conjunto de virtudes que resultam da união do cristão com Cristo: misericórdia, bondade, humildade, paciência, mansidão. Lugar especial ocupa o perdão das ofensas do próximo, a exemplo do que Cristo sempre fez. Estas virtudes são exigências e manifestações da caridade, que é o mais fundamental dos mandamentos cristãos: tais exigências resultam da íntima relação do cristão com Cristo; viver “em Cristo” implica viver, como Ele, no amor total, no serviço, na disponibilidade e no dom da vida. Às mulheres, recomenda o respeito para com os maridos; aos maridos, convida a amar as esposas, evitando o domínio tirânico sobre elas; aos filhos, recomenda a obediência aos pais; aos pais, com intuição pedagógica, pede que não sejam excessivamente severos para com os filhos, pois isso pode impedir o desenvolvimento normal das suas capacidades. É desta forma que, no espaço familiar, se manifesta o Homem Novo, o homem que vive segundo Cristo.
EVANGELHO (Lc 2,41-52)
AMBIENTE
O “Evangelho da infância” não é fazer uma reportagem sobre os primeiros anos da vida de Jesus, mas uma catequese sobre Jesus; nessa catequese, diz-se quem é Jesus e apresentam-se algumas coordenadas teológicas que vão, depois, ser desenvolvidas no resto do Evangelho. A “catequese” de hoje situa-nos em Jerusalém. A Lei judaica pedia que os homens de Israel fossem três vezes por ano a Jerusalém, por alturas das três grandes festas de peregrinação (Páscoa, Pentecostes e Festa das Tendas – cf. Ex 23,17-17). Ainda que os rabinos não considerassem obrigatória esta lei até aos treze, muitos pais levavam os filhos antes dessa idade. Jesus tem doze anos e, de acordo com o texto de Lucas, foi com Maria e José a Jerusalém celebrar a Páscoa. É neste ambiente de Jerusalém e do Templo que Lucas situa as primeiras palavras pronunciadas por Jesus no Evangelho. Elas são, sem dúvida, o centro do nosso relato.
MENSAGEM
 “Por que me procuráveis? Não sabíeis que Eu devia estar na casa de meu Pai?” O significado (a catequese) da resposta à pergunta de Maria é que Deus é o verdadeiro Pai de Jesus. Daqui deduz-se que as exigências de Deus são, para Jesus, a prioridade fundamental, que ultrapassa qualquer outra exigência. A sua missão vai obrigá-lo a romper os laços com a própria família (cf. Mc 3,31-35). É possível que haja ainda, aqui, uma referência à paixão/morte/ressurreição de Jesus: tanto o episódio de hoje, como os fatos relativos à morte/ressurreição, são situados num contexto pascal; em ambas as situações Jesus é abandonado – aqui por Maria e José e, mais tarde, pelos discípulos – por pessoas que não compreendem que a sua prioridade é o projeto do Pai; em ambas as situações, Jesus é procurado (cf. Lc 24,5) e tem de explicar que a finalidade da sua vida é cumprir aquilo que o Pai tinha definido (cf. Lc 24,7.25-27.45-46). Lucas apresenta aqui a chave para entender toda a vida de Jesus: Ele veio ao mundo por mandato de Deus Pai e com um projeto de salvação/libertação. Àqueles que se perguntam porque deve o Messias percorrer determinado caminho, Lucas responde: porque é a vontade do Pai. Foi para cumprir a vontade do Pai que Jesus veio ao nosso encontro e entrou na nossa história.


quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

MISERICÓRDIA E COMPAIXÃO



A Igreja Católica prepara um percurso de grande importância: a celebração do Ano Santo Extraordinário da Misericórdia, convocado pelo Papa Francisco. Trata-se de um momento especial, celebrado no âmbito das comunidades de fé, que deve ecoar em todo o mundo, para vencer as muitas violências – física e moral, a corrupção e também a permissividade que contracena com a rigidez de grupos, alimentando fundamentalismos religiosos, políticos e culturais. A vivência desse tempo é oportunidade para tratar feridas que atingem a sociedade como um todo, inclusive a própria Igreja. O remédio para essas enfermidades é a prática da misericórdia.
A audaciosa convocação do Ano Santo da Misericórdia comprova a intuição singular do Papa Francisco no exercício de sua missão. É pelo caminho da misericórdia que a humanidade alcançará as mudanças e respostas que a contemporaneidade espera, com urgência. É remédio incidente. Pode ocorrer de se pensar, equivocadamente, que agir de modo misericordioso se trata de fraqueza e conivência. Mas, assinala o Papa Francisco, reportando-se a palavras de Santo Tomás de Aquino, que a misericórdia não é sinal de fraqueza, é qualidade da onipotência divina.
O início do Ano Santo da Misericórdia será marcado pela abertura da Porta Santa em Roma, pelo Papa, no dia 8 de dezembro. Nas dioceses do mundo inteiro, no domingo seguinte, dia 13. Essa Porta será aberta para que qualquer pessoa possa entrar e experimentar o amor de Deus que perdoa, consola e dá esperança. Isso significa que a vivência da misericórdia permite regeneração e nova compreensão da vida, um olhar compassivo sobre a humanidade, na direção de cada pessoa. Torna efetiva a possibilidade de se alcançar novos sentimentos e um jeito de viver capazes de desenhar cenários na contramão da violência, da corrupção, da luta insana pelo poder e pelo lucro.
A experiência da misericórdia alimenta a esperança. Permite a compreensão lúcida da fraternidade e da solidariedade como pilares indispensáveis da sociedade. Bases que devem substituir a lógica perversa da economia que gera ganância, raiz de um “desenvolvimento” que recai como peso sobre os ombros de todos, particularmente dos pobres e indefesos. Para encontrar um rumo novo, todos são convocados a compreender que Deus é misericordioso, fonte da misericórdia. E Jesus Cristo é o rosto dessa misericórdia do Pai porque n’Ele, Jesus, a misericórdia se tornou viva, visível e chegou ao seu ápice. Esse é o mistério da fé cristã.
Ser cristão é, portanto, contemplar o mistério da misericórdia, revelado por Jesus Cristo, fonte da alegria, da serenidade e da paz. Uma interpelação incidente, pois permite reconhecer que a misericórdia é o ato último e supremo pelo qual Deus vem ao encontro de todos. Pertinente é a indicação do Papa Francisco, quando sublinha que “a misericórdia é a lei fundamental que mora no coração de cada pessoa, quando vê com olhos sinceros o irmão que encontra no caminho da vida. Misericórdia é o caminho que une Deus e o homem, porque nos abre o coração à esperança de sermos amados para sempre, apesar da limitação de nosso pecado”.
Coluna mestra de sustentação da Igreja, a experiência da misericórdia é indispensável para conseguir respostas novas e transformadoras, diante dos desafios da atualidade. Sem o remédio da misericórdia, crescerão os fundamentalismos, não se controlará a intolerância, haverá sempre mais polarização de grupos políticos e religiosos, um contínuo desgaste da cultura da vida e da paz. Investir na misericórdia começa pela competência indispensável de perdoar, como Jesus indicou a Pedro, ao responder a sua pergunta a respeito de quantas vezes deve-se perdoar. O perdão é núcleo central do Evangelho e da autenticidade da fé cristã. Por isso, Jesus mostra que a misericórdia não é apenas o agir de Deus Pai, mas é o verdadeiro critério para reconhecer quem são os verdadeiros filhos de Deus.
O Ano da Misericórdia, experiência de fé na Igreja, com incidência na vida das famílias e comunidades, marcado por testemunhos, significativos gestos de reconciliação e perdão, é necessário para se alcançar nova etapa no cuidado das fraquezas e dificuldades dos irmãos. Um convite para que se busque a sabedoria da misericórdia. Em lugar de violência e disputas, que surja um tempo novo, pela força da misericórdia e da compaixão.
Por Dom Walmor Oliveira de Azevedo – Arcebispo de Belo Horizonte (MG)


quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

COMUNICAÇÃO E PARÓQUIA - ALGUNS PONTOS BÁSICOS E CONCRETOS



Artigos (Da revista “Vida Pastoral”)
Publicado em novembro-dezembro de 2015
Comunicação e paróquia: alguns pontos básicos e concretos
Por Helena Ribeiro Crépin / Natividade Pereira, fsp

Com relação à comunicação na Igreja, corre-se o risco de focar demais nos ideais elevados e esquecer coisas básicas e concretas. Este artigo aborda elementos básicos, fundamentais para a comunicação na paróquia, os quais, não obstante sua importância, às vezes ficam relegados a segundo plano: a sonorização das igrejas; a iluminação e a introspecção; a comunicação na secretaria paroquial; os leitores e a música na liturgia.
1.    Paróquia: espaço sagrado de comunicação da fé
A palavra “paróquia” vem do substantivo grego paroikía e do verbo paroikêin, que significa viver juntos, ou ao redor da casa. Até o século IV, não existiam paróquias, apenas as catedrais, que ficavam nas grandes cidades, porque o cristianismo era essencialmente um fenômeno urbano. A catedral era administrada pelo bispo, auxiliado por sua equipe de padres, que pregavam, celebravam e administravam os sacramentos. A partir do século V, com a oficialização do cristianismo como religião do império romano, surgiu a necessidade de descentralização. Em razão das distâncias geográficas e do crescimento do número de cristãos, foram marcados territórios, nas aldeias e cidades menores, para cada padre exercer o seu ministério, os quais ganharam o nome de paróquias.
A paróquia é uma célula da Igreja de Jesus Cristo e precisa de cuidados e criatividade para não morrer solitária. Com a mudança de época, a partir do Concílio Vaticano II, surgiram a necessidade de renovação e vários documentos sobre a vida paroquial, sempre buscando responder às exigências dos tempos. Antes catolicismo e cultura, espaço geográfico e espaço de fé estavam unidos e sem maiores problemas para a vida eclesial, mas hoje estamos em crise comunitária. Nosso modelo paroquial é bimilenar, respondeu por séculos às necessidades dos fiéis no seu contexto rural, mas a situação mudou e o sistema paroquial permaneceu. Por isso precisamos urgentemente sair do modelo estático de evangelização.
Para a renovação da paróquia e o bom desenvolvimento de sua comunicação, é fundamental, primeiro, ter presente que o pároco não é a paróquia – ambos têm identidades diferentes –, mas um depende do outro. A paróquia não pode se transformar na projeção do ego do padre. Comunicação é criar comunhão e participação entre todos.
Com o avanço das novas tecnologias e da informática, a paróquia precisa usar formas mais modernas para chegar aos jovens e às famílias. Precisa organizar a Pastoral da Comunicação, para promover melhor comunicação interna da Igreja, também por meio das redes sociais, fazendo suas atividades gerar notícias para as demais pastorais e para as pessoas que não frequentam o ambiente da igreja-templo.
Na Igreja, sobretudo a partir do papa Pio XII, em 1957, procurou-se organizar a comunicação interna e com a sociedade. Mas somente a partir do Concílio Vaticano II é que foi exigida das conferências episcopais e dioceses a criação urgente de um plano de pastoral da comunicação. No Brasil, a CNBB criou a Pascom – Pastoral da Comunicação, organizada em âmbito regional nas dioceses, paróquias e comunidades. A Pascom oferece formação, assessoria técnica e pastoral, com laboratórios e cursos. O objetivo é contribuir para a comunicação na paróquia. É importante lembrar que toda a paróquia e todas as suas atividades são comunicação, e não apenas o que é específico da Pascom. Sabemos o caminho para a renovação da paróquia; ele já está apontado nos documentos. Difícil é pôr em prática. Ainda nos falta aquele ardor missionário que exige conversão, mudança de postura e mentalidade, saída da zona de conforto.
Ao longo dos anos e sobretudo depois do Concílio Vaticano II, a Igreja e grande parte dos seus membros têm feito muitas reflexões, estabelecido princípios e prioridades, chamado à ação no campo da comunicação eclesial; diversos documentos importantes a respeito têm sido publicados. São necessárias atenção, disposição e iniciativas concretas para usufruir desses documentos e princípios, para pô-los em prática concretamente no dia a dia das paróquias e comunidades. Corremos o risco de ficar nos ideais elevados e esquecer coisas fundamentais, básicas e concretas da comunicação com os fiéis e com o público em geral. Neste artigo nos concentramos em elementos assim, básicos, fundamentais para a comunicação na Igreja, os quais, não obstante sua importância, às vezes ficam relegados a segundo plano: a sonorização das igrejas; a iluminação e a introspecção; a comunicação na secretaria paroquial; os leitores, a música e a liturgia.
2.    A sonorização das igrejas
Podemos nos perguntar: como é que Jesus conseguia se comunicar com uma multidão sem sistema sonoro, sem o microfone? Certamente, ao sentar-se numa barca, por exemplo às margens do lago de Genesaré, suas palavras alcançavam melhor os ouvintes (cf. Lc 5,1-11). As palavras que proferia em montanhas ou lugares elevados também se serviam do ambiente para serem ouvidas. Faça a experiência: sente-se numa cadeira na praia e comece a ouvir as conversas descontraídas de quem está na água. Ou, estando próximo a uma montanha, escute a nitidez da fala de quem está em posição mais alta. Pelos cenários do evangelho, percebe-se que, certamente, Jesus tinha boas noções da acústica do planeta Terra.
Estudando a evolução da engenharia, sabe-se que, nas construções do império greco-romano, se usava muito o semicírculo, evidência da descoberta de que o som reflete melhor de baixo para cima, atuando com a acústica própria da natureza. Durante a Idade Média, a preocupação maior era na hora de construir o púlpito: uma pequena varanda ou balcão que dava para a nave da igreja, bem à vista dos fiéis, de onde falava o orador. Este, dotado de uma pequena ou média voz, mas sempre preparada e projetada com força na direção da assembleia, conseguia fazer-se ouvir, beneficiando-se também da localização física do púlpito, situado num lugar elevado. Se, obedecendo às leis da física, o som vai para cima, como se fazia nesse caso, em que a assembleia ficava embaixo? Muito simples: a voz reverberava no teto, nas colunas e chegava à assembleia com atraso, mas chegava.
Vale ressaltar que a sonorização é um elemento litúrgico articulador, pois, sem ouvir a Palavra, a homilia, as orações e o canto litúrgico adequadamente, as pessoas saem da igreja mais ou menos como entraram ou até ensurdecidas pela parafernália de barulhos similares aos que já enfrentam no cotidiano. Quando vão à igreja, deparam com algumas dificuldades, como ruídos, chiados, som reverberante, microfonia, além de gente mal preparada para proclamar as leituras. Somando tudo isso, às vezes a celebração se torna um sacrifício (distinto do de Jesus!) tanto para o presidente como para a assembleia, que não consegue celebrar tranquilamente e tem de suportar os ruídos na comunicação. Hoje em dia está em voga a palavra comunicação em todos os setores da Igreja, no entanto a aplicação prática do conceito não é tão frequente, pois muitas vezes nem sequer se ouvem as leituras e a homilia do padre.
A inteligibilidade da fala sempre foi um dos maiores desafios para designers de sistema de som que lidam com espaços reverberantes. O mau conhecimento das tecnologias usadas nas caixas acústicas é a maior fonte de insatisfação na sonorização, pois uma onda sonora sem direcionamento adequado vai entrar em conflito com a arquitetura, provocando aquele efeito de eco ou de reverberação, cuja ação deixa a voz ininteligível, embora ofereça volume à musica. Consequentemente, a primeira exigência dos párocos deve ser a prioridade da voz para poder transmitir as leituras, as orações, a homilia, evitando o volume musical ensurdecedor típico das casas de shows.
Para resolver o problema da deficiência na escuta do que é pronunciado e cantado na liturgia ou do incômodo com o excesso de barulho, sons, reverberação, volume além do necessário, têm surgido novas tecnologias que, se usadas adequadamente, conseguem dar boa resposta ao desafio, possibilitando a transmissão de um som claro e inteligível em ambientes que pareciam totalmente avessos a qualquer solução.
Além da tecnologia, é importante, para atingir melhor qualidade sonora em ambientes muito reverberantes, fazer tratamento acústico nos espaços, quando necessário. Igrejas grandes, com arquitetura de teto alto, com muito granito, vidros, azulejos, paredes lisas, sem pintura, sem madeira, são o ambiente perfeito para a reverberação, inimigo número um da inteligibilidade sonora. Quanto mais liso e grande for um templo, maior a probabilidade de o som reverberar, o que provoca atraso na chegada da voz aos nossos ouvidos, ficando, assim, um som misturado, incompreensível. Geralmente isso acontece porque o som sai de um alto-falante comum grande, em geral mal posicionado – fórmula perfeita para que o som passeie no ambiente antes de chegar aos ouvidos dos fiéis. O som reverbera porque ricocheteia no espaço, muitas vezes em razão de superfícies duras e reflexivas e também de caixas acústicas de má qualidade. Percebe-se um desconhecimento sobre isso da parte de engenheiros ou arquitetos, pois o processo de construção evoluiu sem pensar na sonorização, tratada como um dos últimos elementos do planejamento. E corrigir custa mais caro do que pensar junto, no momento da construção ou reforma, qual o arranjo ideal para a sonorização do ambiente sagrado.
O ricochetear do som provém de sua refletividade sobre as superfícies. Se combinadas, essas refletividades geram um ambiente extremamente barulhento no qual fica difícil compreender as palavras faladas. Todos já tivemos essa experiência em igrejas, salões de festas ou outros ambientes em que o resultado é semelhante. Um exemplo também bastante corriqueiro são os aeroportos, um dos tipos de ambientes mais reverberantes que existem. Neles as caixas acústicas, normalmente presas no teto como arandelas, lançam os feixes de som que, atingindo o chão, são jogados novamente para o alto pelo granito. O som desliza e ricocheteia, dificultando a compreensão das palavras. Existem hoje aeroportos que estão modernizando o sistema de som a fim de torná-lo adequado para a audição; é o caso dos de Abu Dhabi, Nova York, Boston, Paris, Londres e o maior aeroporto da América Latina, o de Guarulhos, em seu mais novo terminal internacional.
A chave de êxito das novas tecnologias é a capacidade de fazer o som sair direto de caixas adequadas e bem posicionadas. O som sai como um tiro a laser até alcançar seu alvo, os ouvidos das pessoas presentes na assembleia. Ele é formatado como feixes de luz direcionados e focados, sendo enviado diretamente para os ouvintes quase livre de reverberações, independentemente da medida da altura da nave ou de seu poder de reverberação.
Alto-falantes tradicionais produzem sons que, na maior parte das vezes, se dirigem ao ouvinte, mas também vazam para outras direções. Esse som é inútil e indesejável, torna-se fonte de barulho e reverberação e piora à medida que a pessoa se distancia dele. Para resolver essa questão, a única solução vinha sendo a colocação de várias caixas acústicas próximas e direcionadas, não obstante a consequente perda estética. Com o avançar da tecnologia, porém, foram desenvolvidos sistemas tecnológicos modernos que empregam a física natural para formar o som com um número menor de caixas acústicas e proporcionar audição inteligível, além de incumbirem a harmonização a um sistema central, à parte do sistema da música. É hoje a melhor adequação em termos de custo-benefício.
Houve uma evolução considerável nas tecnologias necessárias à boa sonorização e transmissão da voz, com destaque para a tecnologia line array, patenteada na Europa em 1957, que apresentou uma evolução com relação à fabricação e ao modo de gestão dos alto-falantes, contando com três linhas principais de caixas acústicas: linha analógica (a mais antiga); linha semidigital, sistema processado ao nível da caixa; linha digital (a última tecnologia). As três linhas têm em comum o fato de que a onda sonora saída do alto-falante é direcionada em linha reta, ao contrário dos alto-falantes convencionais, cuja onda sai em círculo ou em forma esférica, batendo em todas as direções e criando eco e reverberação nas paredes, no teto e no chão.
A diferença entre uma linha analógica e uma linha digital verdadeira é que uma coluna de linha digital é composta de alto-falantes guiados cada um por um processador. Isso permite direcionar em três direções a onda sonora, focalizando até as zonas restritas de uma nave e proporcionando assim inteligibilidade de alta qualidade, além da redução da quantidade de caixas. Essa solução permite, no interior da maioria das igrejas, a boa transmissão da voz, deixando apenas a reverberação arquitetural influir em parte sobre a inteligibilidade. A linha analógica permite uma qualidade satisfatória na inteligibilidade da voz, mas com certa fraqueza na transmissão da música, priorizando as frequências de voz com um alcance inferior. Dessa forma, será necessário maior número de pontos repartidos na igreja, o que exige mais frequente manutenção.
Já faz um ano que, no Brasil, é possível encontrar soluções intermediárias usando as caixas semidigitais, cujas possibilidades garantem a transmissão equilibrada entre voz e música. Essas novas caixas são, na maioria, importadas. São consideradas semidigitais pelo fato de terem condição de modificar de forma eletrônica a faixa sonora, interferindo tanto na largura quanto no alcance da faixa.
Um dos problemas maiores encontrados na sonorização das igrejas é o desconhecimento das técnicas adequadas por parte dos numerosos responsáveis: a tecnologia line array, a única que reconhecidamente resolve o problema da inteligibilidade, é muitas vezes mesclada, de forma inadequada, com sistemas em coluna cujos alto-falantes não respondem aos critérios de transmissão vertical e horizontal exigidos pela tecnologia.
Não é porque uma comunidade é pobre que não pode ter um som de qualidade. Hoje existem soluções para cada uma; de toda forma, muitas vezes é melhor não fazer nada do que instalar o sistema de som recomendado por uma pessoa sem experiência ou sem o respaldo de profissionais em instalações nas igrejas. Muitas vezes se constata que as igrejas direcionam recursos para um piso de granito ou para outras coisas de menor prioridade e deixam a sonorização como um investimento secundário.
3.    Iluminação e introspecção
Outro grande desafio nas igrejas é a iluminação, que implica a renovação da parte elétrica, sem a qual não se pode ir adiante nesse aspecto. Uma iluminação ambiente para um espaço sagrado precisa proporcionar claridade na medida certa. Uma igreja escura pede iluminação correta para valorizar a arquitetura, os objetos sagrados. Uma igreja extremamente clara pode tirar do ambiente a sutileza da introspecção, tão importante para a concentração na oração. Um momento orante pede uma luz que provoque leve adormecer dos sentidos, para que se experimente olhar para dentro, se inspire e expire profundamente no ritmo da serenidade. Num país tropical como o Brasil, as pessoas estão mais habituadas a estar “do lado de fora” – existe certa dificuldade no “estar dentro de si mesmas”; com isso, o ambiente, a luminosidade nos orienta no caminho da volta ao centro do coração, para ali encontrarmos o sagrado!
4.    Comunicação na secretaria paroquial
A boa comunicação e o atendimento são a base da fidelidade de uma comunidade participativa. O maestro é quem dá a batuta a sua orquestra. Neste caso, o pároco e o vigário são os regentes da orquestra, na qual a batuta sempre direcionará e harmonizará a equipe por meio da secretaria paroquial.
O atendimento na secretaria reflete o rosto da paróquia. Poderíamos afirmar que é considerado o cartão de visita, e a(o) secretária(o) atua de modo importante nisso. Em sua atuação, destacam-se todos os elementos vitais de comunicação, como expressão corporal e tom de voz, e o que for transmitido terá implicações para a imagem da paróquia, do pároco, da igreja local e universal. Num mundo em que tudo tem importância e ao mesmo tempo a subjetividade interpela os valores, cada detalhe da secretaria vai refletir na visão pessoal formada pelo paroquiano ou visitante e contribuirá ou não para sua identificação, seja com o atendente, seja com o ambiente, que deve ser bem cuidado, sem ostentar luxo, mas ter dignidade, conforto e sobriedade.
Caso a secretaria exerça seu papel burocrático sem uma proximidade, sem uma comunhão que proporcione a cultura do encontro, o trabalho fica vazio e difícil de ser entendido e aceito. Comunicar as normas, as leis, envolve o como falar, e nem sempre é fácil pôr em prática as orientações da Igreja, ainda mais no momento atual da história em que se tende a questionar, a criticar cada vez mais, e em que as pessoas criam resistência se as regras e orientações são apresentadas apenas como imposição. Já com bom senso, docilidade e espiritualidade, a comunicação fluirá, levando àquele para quem o espaço paroquial existe: Jesus Cristo.
Ser secretária(o) exige, acima de tudo, muito bom senso, pois até mesmo a convivência com um sacerdote requer maturidade cristã, para respeitar seus limites e valorizar seus dons, sem blindá-lo, deixando-o exercer seu ministério de atendimento às pessoas, mesmo que existam perigos, golpes. O padre é o pastor que conduz uma comunidade e, assim como um pai, precisa atender seus filhos.
O atendimento telefônico e pessoal perpassa o profissional, mas sem se deixar perder nas muitas necessidades de pessoas carentes, difíceis, controladoras. A rotina de abrir e fechar a secretaria com um atendimento humanizado e, sobretudo, a discrição sobre a vida pessoal do sacerdote e dos demais paroquianos devem estar acima das dificuldades pessoais. O cuidado com a discrição é fundamental, sim, pois é comum que, antes de falar com o padre, as pessoas contem a sua vida na secretaria, uma vez que esse espaço, para elas, é também extensão do sagrado.
Na secretaria têm lugar situações que nos fazem refletir sobre a liderança e os seus liderados, afinal nela é possível observar a multiplicidade de posturas e ações que precisam estar em sintonia com as orientações da Igreja local e universal.
Um espaço simples não quer dizer simplório; uma veste simples não precisa parecer descuidada; um espaço antigo ou novo exige cuidado como patrimônio da comunidade, a exemplo do que dizia o bem-aventurado padre Tiago Alberione, fundador da Família Paulina: “Ser pobre é cuidar bem do que se tem, para manter e durar”. Em algumas igrejas, a secretaria parece verdadeiro depósito de objetos e de tudo aquilo que não se sabe onde armazenar. É preferível dar-lhes outra destinação, pois o espaço sagrado e suas atenções merecem extremo cuidado e zelo.
Não é compreensível que, em igrejas onde se fazem tantos casamentos com muita ornamentação, nem sequer uma flor seja colocada sobre a mesa da recepção. O zelo, a atenção aos detalhes fazem um bom secretário(a); tem de ser adequado não somente na parte burocrática, mas também na parte estética, com senso ecológico, pessoal e do ambiente em que trabalha. Deve propiciar que a comunicação com os visitantes seja a mais harmoniosa possível. Secretários e secretárias precisariam saber que a comunicação, conforme certo estudo, é 70% corporal, 35% auditiva e 7% verbal: 70% da comunicação está relacionada ao modo como a pessoa se mostra, à sua postura, suas vestes, cuidados pessoais, entre eles cabelos, unhas etc.; 35%, ao que ouvimos – o tom de voz, o timbre (o uso do telefone, muitas vezes, provoca mais problemas do que os existentes de fato, pois nele a única referência é a voz, que transmite emoção, atenção ou indiferença); e 7%, à nossa memória do que foi falado. Pelo fato de não memorizarmos com facilidade, um aviso, após a comunhão, deveria sempre ser repetido. Como nos lembrar posteriormente de um aviso a nós dirigido por meio da fala quando estamos recém-saídos de um estado de concentração pós-comunhão? Temos dificuldade para memorizar a fala. Por isso é tão importante ler e ouvir a leitura.
5.    Leitores
A formação de leitores é vital. Convidar novas pessoas da comunidade é importante, mas não sem antes pedir que a pessoa leia um trecho da leitura. É bom levá-la ao ambão, antes da celebração, para saber o melhor posicionamento do microfone. É comum e agonizante ouvir leitores que não impõem a voz ao falar ao microfone; parecem estar em confidência com um amigo. Uma boa leitura pede preparação e impostação da voz e conhecimento de microfone: não falar nem perto nem longe e ter o bom senso de se aproximar ou se afastar conforme a necessidade.
Muitas vezes, pessoas extremamente gentis e generosas presentes nas várias pastorais não estão aptas para a leitura. Sua dificuldade de fala se torna dificuldade de todos. Cabe ao sacerdote, com amorosidade e coragem, fazer essa formação e acompanhar aqueles que fazem leitura, juntamente com a equipe de liturgia. 
6.    Música e liturgia
A música na igreja vive um momento de dificuldade. A busca pelo equilíbrio musical, entre volume e harmonia, é um desafio para a comunidade. O pároco, no papel de administrador de relacionamentos, inúmeras vezes se sentirá entre a cruz e a espada. Onde não existem grupos, a questão é mais séria e motiva a busca de músicos voluntários ou profissionais – estes, em teoria, mais facilmente administrados pelo pároco, que, por outro lado, deverá despender recursos para mantê-los.
A música na liturgia é um ponto muito importante da comunicação nas paróquias e precisa ser muito bem cuidada, atentando para a escolha das letras e músicas adequadas ao tempo e ao dia litúrgico, para a qualidade da sonorização, para a preocupação de não escolher apenas cantos que ninguém saiba cantar ou apenas cantos antigos demais, para o conteúdo e espiritualidade transmitidos pela música, para a preparação das equipes.
A falta de preparação nessa área deixa algumas pessoas vulneráveis ao crescimento do ego. Nosso ego é aquela “pessoinha” que habita em nós e muitas vezes é despertada quando há um instrumento musical em mãos. Basta um cantinho na igreja que substitua o palco dos sonhos imaginários.
Nas faculdades de música, existe uma disciplina que se chama Dinâmica Musical, na qual se ensina ao grupo que tocar bem não é tocar alto; cantar bem não é cantar gritado e acima do limite permitido. Nossos ouvidos possuem um limite para a captação do som. O volume é medido em decibéis, e, de acordo com a legislação brasileira, o volume máximo ao qual uma pessoa pode ser exposta em nível aceitável é de aproximadamente 80 decibéis. É notório que cerca de 20% da população brasileira ouve um pequeno zumbido em um ou nos dois ouvidos. A ciência prova que o zumbido é um dos principais sintomas do início do processo de perda de audição, e cerca de 30% das perdas de audição são creditadas à exposição a sons intensos, acima dos limites estabelecidos pela medicina.
Outro desafio é a qualidade do sistema de sonorização na igreja, que seja também adequado aos músicos e forneça equilíbrio entre palavra e música, como já mencionado anteriormente. Uma solução é situar o sistema para a música separadamente, mas fazendo parte do sistema central. É necessário preparar algumas pessoas, no máximo três, para cuidar do som na ausência de um profissional; que saibam, por exemplo, que uma irritante microfonia pode ser dissipada com a diminuição de volume. Pessoas não preparadas para gerir o som podem causar muitos problemas, entre os quais a escolha de equipamentos inadequados ou que virão a ter custos maiores do que algo bem planejado.
Enfim, comunicar Jesus hoje envolve toda forma de comunicação antropológica e tecnológica, sofisticada ou simples, nos areópagos do mundo e das paróquias.
Bibliografia
APARICI, Roberto. Educomunicação para além do 2.0. São Paulo: Paulinas, 2014.
CARPANEDO, Penha; BORGES, Laudimiro. A paróquia e a liturgia. São Paulo: Apostolado Litúrgico, 2014.
CNBB. Comunidade de comunidades, uma nova paróquia. (Documentos, 104).
______. O Brasil na missão continental. (Documentos, 88).
______. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja do Brasil (2011-2012). (Documentos, 94).
PAYA, Miguel. A paróquia, comunidade evangelizadora. São Paulo: Ave Maria, 2005.
PEREIRA, José Carlos. Captação de recursos na estrutura da paróquia: sugestões, possibilidades e implicações. Petrópolis: Vozes, 2010.
______. Paróquia missionária à luz do Documento de Aparecida. Brasília: CNBB, 2012.
______. Renovação paroquial: comunidade de comunidades em vista da missão. São Paulo: Paulinas, 2014.
REINERT, João Fernandes. Pode hoje a paróquia ser uma comunidade eclesial? Petrópolis: Vozes, 2010.
ROSA, Luiz Gonzaga. Discípulos e missionários na paróquia. São Paulo: Paulus, 2010.
STROCCHI, Maria Cristina. Psicologia da comunicação. São Paulo: Paulus, 2004.
THE ADVANTAGE MAGAZINE. RH – 30 years young: celebrating an anniversary, 2012.
Helena Ribeiro Crépin / Natividade Pereira, fsp

Helena Ribeiro Crépin é formada em Comunicação pela PUC-SP. Voluntária nas dioceses para a formação de atendimento na secretaria paroquial, é também cofundadora da empresa Ribeiro Comunicação. Especializada em sonorização, especialmente de igrejas católicas. E-mail: helena@ribeirocomunicacao.com.br / Site: www.ribeirocomunicacao.com.br

Natividade Pereira pertence à Congregação das Irmãs Paulinas e está voltando de missão de dois anos nos EUA. É artista plástica, graduada em Filosofia e mestra em Ciências da Religião pela PUC-SP. E-mail: sisternatividade@hotmail.com



BENEFÍCIOS DO PERDÃO







Benefícios do perdão

Perdoar é uma das atitudes mais difíceis na vida de milhares de pessoas. O fato de alguém pedir perdão a outrem equivale a dizer que reconhece seu erro e sua culpa, por isso, vai ao encontro de quem foi, efetivamente, atingido por sentimentos, palavras e atos que feriram a sua dignidade. O fato de alguém perdoar significa dizer que reconhece sinceridade no arrependimento daquele que vai ao seu encontro, com a disposição de mudar de atitude.
A Revista Veja trouxe como “matéria de capa” o perdão, mais precisamente, “O poder do perdão”. Não deixa de ser, deveras, significativo o fato de estarem a ciência e a mídia tratando de um assunto que, por certo, na mente da maioria das pessoas tinha lugar apenas no mundo das religiões e na prática de seus seguidores. O enfoque desse assunto na relação interpessoal e institucional, numa visão psicológica, filosófica, sociológica e política, com sua referência à face do perdão, biblicamente revelada, representa uma contribuição muito especial para a compreensão da necessidade de superação das linhas cruzadas e da eliminação das rupturas que se estabeleceram nas relações humanas, por numerosos motivos. Na matéria, encontram-se depoimentos de pessoas, empresários e governantes que tiveram a capacidade de perdoar ou se mantiveram fechados em relação ao perdão. Segundo um professor da Universidade de Boston, o pedido de perdão contém “três passos básicos par obter perdão. Primeiro, deve-se assumir a responsabilidade pelo erro. Segundo, é preciso repudiar claramente esse erro, mostrando que não se pretende repeti-lo. Terceiro, deve-se exprimir o arrependimento pela dor causada ao próximo.” O que é hoje descoberta da pesquisa e conquista da ciência, o Catecismo da Igreja já o proclama, há milênios, ao apresentar as exigências para que o fiel, ao recorrer ao Sacramento da Penitência, obtenha o perdão dos pecados cometidos contra Deus e contra o próximo. Com efeito, para que esse Sacramento produza seus efeitos, exigem-se atitudes que levem o penitente à mudança de vida e à reconciliação: Contrição (reconhecimento dos pecados); Confissão (revelação, perante o confessor, desses pecados, “por pensamentos, palavras e obras”); Absolvição (recepção do perdão dos pecados confessados); Satisfação (reparação dos pecados cometidos, não os repetindo, deliberadamente). Como penitência, o confessor impõe uma pena ao penitente, correspondente, “na medida do possível, à gravidade e à natureza dos pecados cometidos.” No plano psico-religioso, o perdão é um ato muito benéfico, sob vários aspectos, como confirma a voz da experiência de cada um. Um desses aspectos é a paz da consciência. O relacionamento entre pessoas, grupos e nações fica ameaçado quando determinados sentimentos, palavras e atitudes ferem o seu direito. Quando isso acontece, criam-se estremecimentos no relacionamento humano que, em muitos casos, rompem fortes vínculos de consanguinidade e sólidos laços de amizade. O perdão é sempre muito benéfico para as pessoas que conseguem refazer sua história, não apenas porque minimizam a razão do distanciamento que se criou na convivência familiar e no relacionamento social, mas, antes, porque dão um passo de qualidade, ao cancelá-la de seu coração e de sua mente. A psicologia e a espiritualidade identificam os benefícios do perdão na vida das pessoas. A melhor linguagem dessa experiência é testemunhada por aquelas pessoas que conseguiram perdoar-se, mutuamente.

Para muitos, o perdão é benéfico, por ser uma conquista humana; para os cristãos, além dessa dimensão, está muito clara a exigência que Jesus colocou na oração do Pai Nosso: “Perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido.”


O VERBO DE DEUS VIRÁ A NÓS




O Verbo de Deus virá a nós
Dos sermões de São Bernardo, Abade

Conhecemos uma tríplice vinda do Senhor. Entre a primeira e a última há uma vinda intermediária. Aquelas são visíveis, mas esta, não. Na primeira vinda o Senhor apareceu na terra e conviveu com os homens. Foi então, como ele próprio declara, que viram-no e não o quiseram receber. Na última, todo homem verá a salvação de Deus (Lc 3,6) e olharão para aquele que transpassaram (Zc 12,10). A vinda intermediária é oculta e nela somente os eleitos o vêem em si mesmos e recebem a salvação. Na primeira, o Senhor veio na fraqueza da carne; na intermediária, vem espiritualmente, manifestando o poder de sua graça; na última, virá com todo o esplendor da sua glória.
Esta vinda intermediária é, portanto, como um caminho que conduz da primeira à última; na primeira, Cristo foi nossa redenção; na última, aparecerá como nossa vida; na intermediária, é nosso repouso e consolação.
Mas, para que ninguém pense que é pura invenção o que dissemos sobre esta vinda intermediária, ouvi o próprio Senhor: Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos a ele (cf. Jo 14,23). Lê-se também noutro lugar: Quem teme a Deus, faz o bem (Eclo 15,1). Mas vejo que se diz algo mais sobre o que ama a Deus, porque guardará suas palavras. Onde devem ser guardadas? Sem dúvida alguma no coração, como diz o profeta: Conservei no coração vossas palavras, a fim de que eu não peque contra vós (Sl 118,11).
Guarda, pois, a palavra de Deus, porque são felizes os que a guardam; guarda-a de tal modo que ela entre no mais íntimo de tua alma e penetre em todos os teus sentimentos e costumes. Alimenta-te deste bem e tua alma se deleitará na fartura. Não esqueças de comer o teu pão para que teu coração não desfaleça, mas que tua alma se sacie com este alimento saboroso.


Se assim guardares a palavra de Deus, certamente ela te guardará. Virá a ti o Filho em companhia do Pai, virá o grande Profeta que renovará Jerusalém e fará novas todas as coisas. Graças a essa vinda, como já refletimos a imagem do homem terrestre, assim também refletiremos a imagem do homem celeste (1Cor 15,49). Assim como o primeiro Adão contagiou toda a humanidade e atingiu o homem todo, assim agora é preciso que Cristo seja o senhor do homem todo, porque ele o criou, redimiu e o glorificará.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

SÃO JOÃO MARIA VIANNEY E O PRIMADO DA PALAVRA DE DEUS


São João Vianney e o primado da palavra de Deus
João M. Vianney foi um presbítero que primou pela palavra de Deus. Ele não só a proclamava aos outros, na sua melhor forma, com preparação e meditação, mas vivia-a em sua integridade. Seguindo-lhe o exemplo, a palavra de Deus deve ganhar sentido em nossa vida de presbíteros pela escuta e sua objetividade. Jesus diz: “Bem-aventurados os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática”(Lc 11,28). Estamos num período muito importante em nível social e eclesial, com a V CELAM, cujo tema foi: Discípulos e missionários de Jesus Cristo para que nossos povos nele tenham vida. “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”(Jo 14,6). O tema é bíblico e, ao mesmo tempo, cristológico no discipulado e na missionariedade com a vida de Jesus Cristo. 
Tendo presentes esses dados, em 4 de agosto, recordaremos João Maria Vianney, o padroeiro dos párocos, dia do padre(presbítero). É importante resgatar a sua historia e reavivar alguns de seus pensamentos e como levava em conta a realidade na atuação de pastor e guia de seu povo. Se um dos pontos frisados, no Vaticano II, e também em Aparecida, foi o primado da palavra de Deus, vejamos como isso se refletiu na vida do presbítero João Vianney[1]. Ele diz: “Meus filhos, não é pouca coisa a palavra de Deus. As palavras de Nosso Senhor, antes de partir para o Pai, foram estas: Ide e instruí(...), para fazer-nos ver que a instrução passa à frente de tudo”. João Vianney liga o conhecimento da religião com a escuta da palavra do Senhor e do próprio pecado: “Que é que nos faz conhecer a nossa religião? São as instruções que ouvimos. Que é que nos dá o horror do pecado... nos faz enxergar a beleza da virtude... nos inspira o desejo do céu? As instruções. Que é que faz conhecer aos pais e às mães os deveres que têm a cumprir para com seus filhos, e aos filhos os deveres que têm a cumprir para com seus pais? As instruções, a escuta da palavra de Deus. Meus filhos, por que se costuma ser tão cego e tão ignorante? Porque não se faz caso da palavra de Deus. Há alguns que não dizem sequer um Pai-Nosso e uma Ave-Maria para pedir a Deus a graça de bem ouvi-la e aproveitá-la”.
A salvação está ligada à palavra de Deus e à consonância com a mesma. Vianney continua afirmando em suas catequeses: “Eu creio, meus filhos, que uma pessoa que não ouve a palavra de Deus como é preciso, não se salvará; não saberá o que é preciso fazer para isso. Mas com uma pessoa instruída há sempre recurso. Por mais que se extravie por toda sorte de maus caminhos, pode-se sempre esperar que ela torne ao bom Deus, cedo ou tarde, ainda quando só fosse na hora da morte. Ao passo que uma pessoa que não é instruída é como uma pessoa que definha, como um doente em agonia que não tem mais conhecimento: não conhece nem a grandeza do pecado, nem a beleza da sua alma, nem o preço da virtude; arrasta-se de pecado em pecado como um trapo que arrastam na lama”.
Jesus, no anúncio do Reino de Deus, teve a primazia pela palavra de Deus, sendo ele mesmo a Palavra definitiva do Pai para a humanidade. Diante da mulher que grita: “‘Bem-aventurados os peitos que vos criaram e o ventre que vos trouxe’. Ele responde: ‘Quão mais felizes aqueles que escutam a palavra de Deus e a põem em prática’”. “Nosso Senhor, que é a própria verdade, não faz menos caso da sua palavra que do seu corpo. Eu não sei se faz mais mal ter distrações, durante a missa, do que durante as instruções: não vejo diferença. Durante a missa, deixam-se perder os merecimentos da morte e paixão de Nosso Senhor e, durante a instrução deixa-se perder a sua palavra que é ele próprio. Santo Agostinho diz que é tão malfeito quanto tomar o cálice, depois da consagração, e despejá-lo debaixo dos pés”.
"Meus filhos, sai-se durante as instruções, passa-se a instrução a rir, não se escuta, acredita-se ser sábio demais para vir ao catecismo... acreditais, meus filhos, que isso passará assim? Oh! não, por certo! Deus disporá as coisas bem diversamente. Repare como é triste: pais e mães ficaram fora, durante as instruções; entretanto, eles são obrigados a instruir os filhos, mas que quereis que eles lhes ensinem? Eles próprios não são instruídos. É pena”.
O presbítero é visto como um instrumento de Deus para o anúncio de sua palavra. “Escuta-se ainda um padre que convém; mais se é um padre que não convém, metem-no a ridículo... Não se deve agir tão humanamente. Não é ao cadáver que se deve olhar. Seja qual for o padre, é sempre o instrumento de que Deus se serve para distribuir a sua santa palavra. Suponde que fazeis passar licor por um funil; seja o funil de ouro ou de cobre, se o licor for bom, será sempre bom”.
Vianney valorizava a pregação ligada ao Evangelho de Jesus e à tradição eclesial, que segue, tanto para o presente como para o futuro. “‘Há uns que se vão embora, repetindo em todos os tons: os padres dizem bem o que querem’”. Não, meus filhos, os padres não dizem o que querem; dizem o que há no Evangelho... os padres que vieram antes de nós disseram o que nós dizemos; os que vierem depois de nós dirão a mesma coisa. Se nós disséssemos coisas que não estivessem no Evangelho, o senhor bispo logo nos proibiria de pregar. Nós só dizemos o que Nosso Senhor ensinou”.
“Eis o que é preciso fazer; é preciso sempre nos comportarmos do modo que deve dar mais glória a Deus. Uma pessoa sabe de outra que está na miséria, e tirará de seus pais para aliviar essa miséria. Certamente ela faria muito melhor em pedir do que em tirar. Uma pessoa instruída tem sempre dois guias que marcham na sua frente: o conselho e a obediência”. Quanto ao discipulado e à missionariedade, temas tão em voga na vida eclesial, no presente momento, alguns aspectos no pensamento de Vianney[2] podem servir de iluminação em nossa vida presbiteral:
Padre: “O padre possui as chaves dos tesouros do céu: é ele a abrir a porta; ele é o ecônomo de Deus, o administrador dos seus bens”. “O sacerdócio é o amor do Coração de Jesus. Quando olhais o padre, pensai em Nosso Senhor”.
- Graça: “A graça de Deus nos ajuda a caminhar e nos sustém. Essa é necessária como as muletas para quem tem mal nas pernas”.
- Dom de si mesmo: “Quanta docilidade provamos em esquecer-nos de nós mesmos para procurar a Deus. Sobre o caminho da abnegação aquilo que custa fadiga é o primeiro passo. Uma vez iniciada a estrada, o resto vem por si e, quando a gente tem esta virtude, se tem tudo”.
Queremos parabenizar os presbíteros: novos, os da meia-idade, os idosos, os doentes, o bispo diocesano. Que Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo, Trindade Una e Santa, ilumine a todos, para que demos o primado à palavra de Deus, sejamos discípulos e missionários de Jesus Cristo, neste momento histórico, teológico, salvífico, assim como foi São João Maria Batista Vianney, no seu tempo. 

* Pe. Vital é Diocese de Caxias do Sul- RS, doutor em Teologia e Ciências Patrísticas


[1] A.A.M. Espírito do Cura D’Ars. Petrópolis: Editora Vozes, 1937, p. 55-60.
[2] Cf. SANTO CURATO d’ARS, Pensieri scelti e fioretti, a cura de J. FROSSARD.Prefazione de Michel de Saint-Pierre. Milano: San Paolo, 1999, p. 91-109.