A Igreja Católica
prepara um percurso de grande importância: a celebração do Ano Santo
Extraordinário da Misericórdia, convocado pelo Papa Francisco. Trata-se de um
momento especial, celebrado no âmbito das comunidades de fé, que deve ecoar em
todo o mundo, para vencer as muitas violências – física e moral, a corrupção e
também a permissividade que contracena com a rigidez de grupos, alimentando
fundamentalismos religiosos, políticos e culturais. A vivência desse tempo é
oportunidade para tratar feridas que atingem a sociedade como um todo,
inclusive a própria Igreja. O remédio para essas enfermidades é a prática da
misericórdia.
A audaciosa convocação
do Ano Santo da Misericórdia comprova a intuição singular do Papa Francisco no
exercício de sua missão. É pelo caminho da misericórdia que a humanidade
alcançará as mudanças e respostas que a contemporaneidade espera, com urgência.
É remédio incidente. Pode ocorrer de se pensar, equivocadamente, que agir de
modo misericordioso se trata de fraqueza e conivência. Mas, assinala o Papa
Francisco, reportando-se a palavras de Santo Tomás de Aquino, que a
misericórdia não é sinal de fraqueza, é qualidade da onipotência divina.
O início do Ano Santo
da Misericórdia será marcado pela abertura da Porta Santa em Roma, pelo Papa,
no dia 8 de dezembro. Nas dioceses do mundo inteiro, no domingo seguinte, dia
13. Essa Porta será aberta para que qualquer pessoa possa entrar e experimentar
o amor de Deus que perdoa, consola e dá esperança. Isso significa que a
vivência da misericórdia permite regeneração e nova compreensão da vida, um
olhar compassivo sobre a humanidade, na direção de cada pessoa. Torna efetiva a
possibilidade de se alcançar novos sentimentos e um jeito de viver capazes de
desenhar cenários na contramão da violência, da corrupção, da luta insana pelo
poder e pelo lucro.
A experiência da
misericórdia alimenta a esperança. Permite a compreensão lúcida da fraternidade
e da solidariedade como pilares indispensáveis da sociedade. Bases que devem
substituir a lógica perversa da economia que gera ganância, raiz de um
“desenvolvimento” que recai como peso sobre os ombros de todos, particularmente
dos pobres e indefesos. Para encontrar um rumo novo, todos são convocados a
compreender que Deus é misericordioso, fonte da misericórdia. E Jesus Cristo é
o rosto dessa misericórdia do Pai porque n’Ele, Jesus, a misericórdia se tornou
viva, visível e chegou ao seu ápice. Esse é o mistério da fé cristã.
Ser cristão é,
portanto, contemplar o mistério da misericórdia, revelado por Jesus Cristo,
fonte da alegria, da serenidade e da paz. Uma interpelação incidente, pois
permite reconhecer que a misericórdia é o ato último e supremo pelo qual Deus
vem ao encontro de todos. Pertinente é a indicação do Papa Francisco, quando
sublinha que “a misericórdia é a lei fundamental que mora no coração de cada
pessoa, quando vê com olhos sinceros o irmão que encontra no caminho da vida.
Misericórdia é o caminho que une Deus e o homem, porque nos abre o coração à
esperança de sermos amados para sempre, apesar da limitação de nosso pecado”.
Coluna mestra de
sustentação da Igreja, a experiência da misericórdia é indispensável para
conseguir respostas novas e transformadoras, diante dos desafios da atualidade.
Sem o remédio da misericórdia, crescerão os fundamentalismos, não se controlará
a intolerância, haverá sempre mais polarização de grupos políticos e
religiosos, um contínuo desgaste da cultura da vida e da paz. Investir na
misericórdia começa pela competência indispensável de perdoar, como Jesus indicou
a Pedro, ao responder a sua pergunta a respeito de quantas vezes deve-se
perdoar. O perdão é núcleo central do Evangelho e da autenticidade da fé
cristã. Por isso, Jesus mostra que a misericórdia não é apenas o agir de Deus
Pai, mas é o verdadeiro critério para reconhecer quem são os verdadeiros filhos
de Deus.
O Ano da Misericórdia,
experiência de fé na Igreja, com incidência na vida das famílias e comunidades,
marcado por testemunhos, significativos gestos de reconciliação e perdão, é
necessário para se alcançar nova etapa no cuidado das fraquezas e dificuldades
dos irmãos. Um convite para que se busque a sabedoria da misericórdia. Em lugar
de violência e disputas, que surja um tempo novo, pela força da misericórdia e
da compaixão.
Por Dom Walmor Oliveira de
Azevedo – Arcebispo de Belo Horizonte (MG)
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