33º DOMINGO COMUM – REFLEXÃO DAS LEITURAS
PRIMEIRA LEITURA
O autor do livro anuncia a chegada iminente do
tempo da intervenção salvadora de Deus para salvar o Povo fiel. Ele refere-se à
intervenção de “Miguel”, o chefe do exército celestial, que Deus enviará para
castigar os perseguidores. No imaginário religioso judaico, “Miguel” é
concebido como um espírito celeste (uma espécie de anjo protetor) que vela pelo
Povo de Deus e opera a libertação dos perseguidos. Essa intervenção iminente de
Deus irá, também, ressuscitar os que já morreram, a fim de lhes dar o prêmio
pela sua vida de fidelidade ou o castigo pelas maldades que praticaram. Essa
vida nova que os espera não será uma vida semelhante à do mundo presente, mas
será uma vida transfigurada. É esta a esperança que deve sustentar os justos,
chamados a permanecerem fiéis a Deus, apesar da perseguição e da prova. A sua
vida não é sem sentido, e não está condenada ao fracasso; mas a sua constância
e fidelidade serão recompensadas com a vida eterna. Começa aqui a esboçar-se a
teologia da ressurreição.
A mensagem de esperança
destinava-se a animar os crentes que sofriam a perseguição. É uma mensagem
válida para todas as épocas e lugares. A “perseguição” por causa da fidelidade
aos valores em que acreditamos é uma realidade que todos conhecemos e que faz
parte da nossa existência comprometida. Hoje, essa “perseguição” nem sempre é
sangrenta; manifesta-se, muitas vezes, em atitudes de marginalização ou de
rejeição, em ditos humilhantes, em atitudes provocatórias, na colagem de
“rótulos” (“conservadores”, “atrasados”, “fora de moda”), em julgamentos
apressados e injustos, em preconceitos e oposições… Este texto garante-nos que
Deus nunca abandona o seu Povo em marcha pela história e que a vitória final
será daqueles que se mantiverem fiéis às propostas e aos caminhos de Deus.
A certeza da presença de Deus a acompanhar a caminhada dos
crentes, permite-nos olhar a história da humanidade com confiança e esperança.
O cristão tem de ser uma pessoa alegre e confiante, que olha para o futuro com
esperança.
A certeza de que a vida não acaba na morte liberta-nos do medo e
dá-nos a coragem do compromisso.
SEGUNDA LEITURA
Esta “Carta” destina-se a comunidades
fragilizadas, cansadas que necessitam de redescobrir o seu entusiasmo inicial
com Cristo e de apostar numa fé mais coerente e mais empenhada. Nesse sentido,
o autor da “carta” apresenta-lhes o mistério de Cristo, o sacerdote por
excelência, cuja missão é pôr os crentes em relação com o Pai e inseri-los
nesse Povo sacerdotal que é a comunidade cristã. O objetivo é despertar no
coração dos crentes uma resposta adequada ao amor de Deus, manifestado na ação
de Jesus.
Os “sacrifícios pelo pecado tinham a função de
expiar os pecados do Povo e de refazer a comunhão entre os crentes e Deus. Ao
oferecer, sobre o altar do Templo, a vida de um animal, o crente pedia a Jahwéh
perdão pelo pecado, manifestava a sua intenção de continuar a pertencer à
comunidade de Deus e mostrava a sua vontade de reatar essa relação com Deus que
o pecado tinha interrompido. O autor da Carta aos Hebreus está convencido que
os sacrifícios oferecidos pelo pecado não eram eficazes e não conseguiam restabelecer
essa comunhão entre o Povo e Deus. Tratava-se de ritos externos e superficiais,
que nunca lograram transformar os corações duros e egoístas dos homens em
corações capazes de viverem no amor a Deus e aos irmãos. Jesus, no entanto, com
a entrega da sua vida, conseguiu concretizar esse objetivo de aproximar os
homens de Deus. Ele obedeceu a Deus em tudo e ofereceu a sua vida em dom de
amor aos homens. Com o seu exemplo e testemunho, Ele propôs aos homens um
caminho novo, mudou os seus corações e ensinou-os a viverem numa total
disponibilidade para com os projetos de Deus, na entrega total aos irmãos.
Dessa forma, Jesus venceu a lógica do egoísmo e do pecado e colocou os homens
no caminho certo para integrarem a família de Deus. O sacrifício de Jesus,
oferecido de uma só vez, libertou os homens de uma dinâmica de egoísmo e de
pecado e permitiu-lhes aproximarem-se de Deus com um coração renovado. Assim,
ele “tornou perfeitos para sempre os que são santificados”. Cumprida a sua
missão na terra, Jesus “sentou-se para sempre à direita de Deus”. Esta imagem
de triunfo e de glória mostra, não apenas como o caminho percorrido por Cristo
é um caminho que tem a aprovação de Deus mas, sobretudo, qual é a “meta” final
da caminhada do homem: a pertença à família de Deus. Se o caminho da
fidelidade aos projetos de Deus levou Jesus a sentar-Se à direita do Pai,
também aqueles que seguem Jesus chegarão à mesma meta e sentar-se-ão à direita
de Deus. Desta forma, o autor da Carta aos Hebreus exorta os cristãos a viverem
na fidelidade aos compromissos que assumiram com Cristo no dia do seu Batismo.
Quem percorre o mesmo caminho de Cristo, está destinado a sentar-se “à direita
de Deus” e a viver em comunhão com Deus.
EVANGELHO
É um “discurso escatológico” (cf. Mt 13,3-37).
É um texto difícil, que emprega imagens e linguagens marcadas pelas alusões
enigmáticas, bem ao jeito do gênero literário “apocalipse”. Não é uma
reportagem jornalística de acontecimentos concretos, mas uma leitura profética
da história humana. O seu objetivo é dar aos discípulos indicações acerca da
atitude a tomar frente aos acontecimentos que marcarão a caminhada histórica da
comunidade, até ao momento em que Jesus vier para instaurar o novo céu e a nova
terra. A missão que Jesus (que está consciente de ter chegado a sua hora de
partir ao encontro do Pai) confia à sua comunidade não é uma missão fácil.
Jesus está consciente de que os seus discípulos terão que enfrentar as
dificuldades, as perseguições. Essa comunidade necessitará de estímulo. É por
isso que surge este apelo à fidelidade, à coragem, à vigilância… No horizonte
último da caminhada, Jesus coloca o final da história humana e o reencontro
definitivo dos discípulos com Jesus. O “discurso escatológico” anuncia a vinda
definitiva do Filho do Homem e o nascimento de um mundo novo.
Em Is 13,10, o
obscurecimento do sol, da lua e das estrelas anuncia o dia da intervenção
justiceira de Jahwéh para destruir o império babilônico e para libertar o Povo
de Deus exilado numa terra estrangeira. Ora, é esta linguagem que Marcos vai
utilizar para descrever a falência dos impérios que lutam contra Deus e contra
os seus santos. Trata-se de uma linguagem tradicional para os leitores de
Marcos. No mundo grego o sol e a lua (“Élios”, e “Selénê”) eram adorados como deuses;
e, no mundo romano, o imperador identificava-se como “o sol” (Nero, imperador
de Roma, fez erigir no palácio imperial uma estátua de bronze com trinta metros
de altura que o representava como o deus “sol”). A mensagem é evidente: está
para acontecer uma virada na história; a velha ordem religiosa e política, os
poderes que se opõem a Deus e que perseguem os santos, irão ser derrubados, a
fim de darem lugar a um mundo novo, construído de acordo com os critérios e os
valores de Deus. Marcos não se refere, aqui, àquilo que nós costumamos chamar
“o fim do mundo”; mas refere-se, genericamente, à vitória de Deus sobre o mal.
A queda desse mundo velho aparece associada à vinda do Filho do
Homem. A imagem leva-nos a Dn 7,13-14, onde se anuncia a vinda de um “Filho do
Homem” “sobre as nuvens do céu” para afirmar a sua soberania sobre “todos os
povos”. O “Filho do Homem, cheio de poder e de glória, que virá “reunir os seus
eleitos”, não pode ser outro senão Jesus. Com esta imagem, Marcos assegura o
triunfo de Cristo sobre os poderes opressores e a libertação daqueles que
continuaram a percorrer com fidelidade os caminhos de Deus.
A mensagem proposta por Marcos é clara: espera-vos um caminho de
sofrimento e perseguição; no entanto, não vos deixeis afundar no desespero porque
Jesus vem. Com a sua vinda gloriosa, cessará a escravidão e nascerá um mundo
novo, de alegria e de felicidade plenas. O quadro destina-se não a amedrontar,
mas a abrir os corações à esperança: quando Jesus vier com a sua autoridade
soberana, o mundo velho do egoísmo e da escravidão cairá e surgirá o dia novo
da salvação/libertação sem fim.
Na segunda parte do nosso texto (28-32), Jesus responde à
questão posta pelos discípulos: “Diz-nos quando tudo isto acontecerá e qual o
sinal de que tudo está para acabar”.
Para Jesus, mais importante do que definir o tempo exato da
queda do mundo velho é ter confiança na chegada do mundo novo e estar atento
aos sinais que o anunciam. O aparecimento nas figueiras de novos ramos e de
novas folhas acontece, sem falhas, cada ano e anuncia ao agricultor a chegada
do Verão e do tempo das colheitas; da mesma forma, os crentes são convidados a
esperar, com confiança, a chegada do mundo novo e a perceber, nos sinais de
desagregação do mundo velho, o anúncio de que o tempo da sua libertação está
chegando. Certos da vinda do Senhor, atentos aos sinais que O anunciam, os
crentes podem preparar o seu coração para O acolher, para aceitar os desafios
que Ele traz, para agarrar as oportunidades que Ele oferece.
Não há uma data marcada para o advento dessa nova realidade. De
uma coisa os crentes podem estar certos: as palavras de Jesus são a garantia de
que esse mundo novo, de vida plena e de felicidade sem fim, irá surgir.
A guerra, a opressão, a injustiça, a miséria, a escravidão, o
egoísmo, a exploração, o desprezo pela dignidade do homem atingem-nos. Feridos
e humilhados, duvidamos de Deus, da sua bondade, do seu amor, da sua vontade de
salvar o homem. A Palavra de Deus hoje nos abre a porta à esperança. Reafirma
que Deus não abandona a humanidade e está determinado a transformar o mundo do
egoísmo e do pecado num mundo novo de vida e de felicidade para todos os
homens. A humanidade não caminha para a destruição; mas caminha ao encontro da
vida plena, ao encontro desse mundo novo.
Deus tem um projeto
de vida para o mundo e os Cristãos têm de ser testemunhas da esperança. Eles
vêem os momentos de tensão e de luta como sinais de que o mundo velho irá ser
transformado e renovado, até surgir um mundo novo e melhor. Para o cristão, não
faz qualquer sentido deixar-se dominar pelo medo, pelo pessimismo, pelo desespero.
O mundo tem de ver em nós gente a quem a fé dá uma visão otimista da vida e da
história e que caminha ao encontro desse mundo novo que Deus nos prometeu.
É Deus, o Senhor da
história, que irá fazer nascer um mundo novo; contudo, Ele conta com a nossa
colaboração desse projeto. Os cristãos não podem ficar de braços cruzados à
espera que o mundo novo caia do céu; mas são chamados a anunciar e a construir,
com a sua vida, com as suas palavras, com os seus gestos, esse mundo que está nos
projetos de Deus. Isso implica um processo de conversão que nos leve a suprimir
em nós e nos outros, o egoísmo, o orgulho, a prepotência, a exploração, a
injustiça (mundo velho); isso implica, também, testemunhar com gestos
concretos, os valores do mundo novo – a partilha, o serviço, o perdão, o amor,
a fraternidade, a solidariedade, a paz.
Deus não abandona
os homens na sua caminhada histórica. Da nossa parte, precisamos estar atentos
à sua proximidade e reconhecê-lo nos sinais da história, no rosto dos irmãos,
nos apelos dos que sofrem e que buscam a libertação. O cristão não pode
fechar-se no seu canto e ignorar Deus, os seus apelos e os seus projetos; mas
tem de estar atento e de notar os sinais através dos quais Deus Se dirige aos
homens e lhes aponta o caminho do mundo novo.
É preciso, ainda,
ter presente que este mundo novo nunca será uma realidade plena nesta terra. O
mundo novo sonhado por Deus é uma realidade escatológica, cuja plenitude só
acontecerá depois de Cristo ter destruído definitivamente o mal que nos torna
escravos.
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